Capítulo 1
Kyros (Félix)
Brina viu a notícia na TV e me mandou uma mensagem para eu ligar no canal de notícias agora! Então, eu liguei.
Eva.
Eu não a conhecia profundamente. Na verdade, ela era filha de um dos meus professores do tempo da Unifesp. Ele tinha uma foto dela em sua mesa. Tinha orgulho dela. Se eu me lembrava bem, ele faleceu uns anos atrás. De infarto fulminante. A morte tem suas ironias.
A polícia ainda não tinha pitas do assassino. Pelo menos era o que dizia o âncora e as mídias na internet. Mulher rica, elegante, inteligente. Estava sozinha em casa. Marido viajando a negócios e o único filho fazendo intercâmbio fora do país. A empregada dormia lá durante a semana e disse que não ouviu nada.
Eva estava vestida como a virgem da primavera. Uma túnica branca, descalça, uma guirlanda de flores na cabeça. Cercada por pedras que pareciam rabiscadas com o sangue da vítima. Claro que os sites de notícias só divulgaram que o motivo da morte foi um corte profundo no pescoço. Fiquei sabendo dos pormenores pelo delegado que cuidava do caso.
Meu depoimento foi tomado na casa de Brina, onde também fazemos as reuniões de nosso coven. Eu respondi algumas perguntas informais do delegado, doutor Teodoro Pagani.
- O GPS do celular da vítima aponta como esse endereço o último que visitou ainda viva. Estou colhendo o máximo de elementos para resolver isso logo. Parece que Eva foi preparada. Como um sacrifício pagão. O que você acha, doutor Félix?
- Sim. A cena é muito romântica. Mostrando que a pessoa não conhece muito bem os fatos históricos sobre os sacrifícios celtas. Mas, sim, tem elementos que apontam que o responsável por isso tem interesse na cultura e modos pagãos. Ou mais precisamente falando, neopagãos.
Eu tentei explicar as razões para que um sacrifício era feito.
- Os celtas sacrificavam somente em último caso. Primeiro eles, através de seus sacerdotes, os druidas, tentavam manipular as energias da natureza ao seu favor. Caso isso não surtisse efeito eles ofereciam vidas, animais e também humanas. Quando a comunidade estivesse em perigo. Como uma grande fome ou guerra. Não se tinha uma necessidade de "pureza" da pessoa sacrificada. Mas, as funções dessa pessoa. No caso, Eva foi vestida como uma donzela. A virgem da primavera. Ou donzela da primavera.
- Virgem da primavera! Foi o que disse um dos meus homens na cena do crime - observou o delegado.
- Eva não era solteira. A donzela não precisava ser virgem necessariamente. Era uma jovem que ainda não tinha filhos ou companheiro no sentido de marido. Não faz sentido. - Eu tentava ver alguma lógica para a montagem da cena do crime. Porque, mesmo sem precisão histórica, a pessoa gastou um tempo estudando alguns elementos e montando o cenário.
O delegado Teodoro começou a falar - A empregada disse que a patroa tinha ido se consultar com Lady Brina. E como segurança, Eva mandou o mapa do aplicativo para ela. A moça disse que era comum elas fazerem isso. Quando Eva ia a algum lugar desacompanhada ou quando o marido viajava. E, lamento trazer ansiedade para vocês, mas Ana Beatriz Andrade é uma peça central do inquérito, já que por alguma razão ela adivinhou que Eva ia ser morta.
- É Lady Brina. - Não sei porque ouvir o nome civil de Brina me irritou. - Sabe, se padres ordenados mudam de nome e são tratados por seus nomes religiosos eu não sei qual a diferença em relação a nós. Aqui, nesse local para nós sagrado, eu sou Lorde Kyros e ela é Lady Brina. Eu peço que respeite isso. - Eu devo ter rosnado a última frase.
Sim. Eu sabia que éramos os principais suspeitos. Pessoas que cultuam deuses estranhos. Se vestem estranho. Usam nomes estranhos. Formam uma comunidade com regras próprias, têm segredos. Aos olhos do delegado, eu tinha certeza que não éramos confiáveis.
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O Sacrificador (projeto NaNoWriMo 2020) LGBT
Gizem / GerilimSinopse Uma mulher tem a morte prevista por um oráculo celta. No dia seguinte de manhã é encontrada morta no chão da sala com o pescoço cortado e um círculo de pedras ao redor de seu corpo. Desvendar o homicídio, com aspectos de sacrifício humano, é...