Capítulo VI

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Gerard apertou os olhos incomodado quando um tilintar de chaves chegou azucrinante até seus ouvidos. Foi como receber um pequeno choque quando ele se lembrou de que morava sozinho, e o único que tinha a chave da sua porta era Ray, mas ele nunca aparecia pela manhã. Nunca.

Então, como um sopro, suas memórias da noite passada retornaram à sua cabeça. Deu-se conta de que sua última lembrança foi sentado no sofá, assistindo ao fim do show do Bryan Adams antes de sentir os olhos se pesarem, e pesarem, e então tudo se tornar apenas uma fumaça embaçada. Ele notou também estar deitado, de tal forma como não estava até onde se recordava. E tudo ao redor parecia vazio demais. Não havia nem sinal de Thom ou das garrafas deixadas na mesa de centro outrora. Haviam apenas as mesmas caixas de antes em cada canto, o CD que recebeu de presente sobre a mesa de centro e o seu par de sapatos jogados no chão.

Gerard se sentou no sofá rapidamente, notando um cobertor sobre suas pernas. Coçou os olhos violentamente, buscando melhorar a visão turva e sonolenta para enxergar com mais clareza. Direcionou o olhar aturdido à porta, notando passar por ela uma figurinha baixa de cabelo desgrenhado e a própria face da ressaca. O outro que parecia sequer ter notado ter outro alguém na casa, havia deixado que seu olhar recaísse sobre aquele confuso sentado desajeitadamente no sofá.

— Uh — o tal Bert da noite passada sorriu ladeiro — A benção, padre.

Gerard levantou-se de abrupto, quase tropeçando no cobertor. Divagou com os olhos por todos os cantos do apartamento, notando que Thomas não se encontrava em lugar algum.

— O-oi — Gerard gaguejou, ainda confuso pelo sono e pelo susto — eu... ehm...

— Você é o amigo desaparecido do Ray? — ele riu, achando estranhamente muita graça na própria pergunta — O que te traz aqui, padre?

— Thomas me convidou. Sinto muito, eu não queria ter ficado até tão tarde — Gerard apressou-se em dizer, sentindo-se um tanto acanhado.

— O Thomas, huh? — Bert articulou, chutando os sapatos em um canto qualquer. Estranhamente, o seu sorriso e toda aquela euforia de poucos segundos atrás, haviam desaparecido gradualmente.

— Yep. Sabe onde ele está? — Gerard indagou, percorrendo os olhos pelo apartamento novamente.

— Não. Provavelmente trabalho, ou sei lá — Bert respondeu duramente, parecia irritado — eu to meio cansado agora, acho melhor você ir.

Gerard abriu e fechou a boca algumas vezes, em uma busca incessante por palavras corretas. Havia sido pego de surpresa, não esperava ser tratado daquela maneira, tampouco ser expulso assim. Suas bochechas abrigaram um fluxo de sangue fervente e todo o seu sono havia sido varrido para longe pela vergonha que estava sentindo.

— Oh... É, está mesmo na minha hora — replicou, recolhendo do chão seus sapatos e então apanhando na mesa de centro o seu novo CD. Tateou os bolsos para se certificar de que seus pertences estavam todos consigo, e então após conferir, ele seguiu até a porta, a qual o tal Bert já segurava aberta, não negando o quanto estava ansioso para se livrar dele. Antes de atravessar a saída, Gerard tomou um pouco de ar e então virou-se para aquele incomodado com a sua presença — Antes de ir, será que você pode me passar o número de telefone do Thom? Nós estávamos combinando de-

— Não vai rolar — Bert o interrompeu de abrupto, seco e infeliz. Suas sobrancelhas estavam unidas na testa e ele estava visivelmente irritado. Ainda confuso e sem jeito, Gerard somente assentiu e seguiu para fora do recinto. É claro que sentia vontade de xinga-lo aos sete ventos pela má educação tão repentina, mas não estava na sua casa, e consequentemente perdia todo e qualquer direito de devolver a grosseria com mais grosseria.

Duality [Frerard]Onde histórias criam vida. Descubra agora