O vento que soprava gélido causou uma sensação de pequenos estilhaços sendo fincados na pele morna de Frank ao rebater em suas bochechas. O seu corpo recebeu uma onda aconchegante do calor irradiado do aquecedor, que só fez o aquentar gradativamente, evaporando a baixa temperatura ocasionada pelo frio do lado de fora do bar sofisticado que acabara de adentrar.
O par de olhos âmbares e diligentes percorreram todo o estabelecimento, atinando como o local parecia novo para ele, embora já o tivesse frequentado mais vezes que podia contar, anteriormente. Foi considerável o tempo em que passou sem visitar aquele recinto, talvez um ano inteiro ou até mais, e por isso era entendível o estranhamento a respeito da mudança de decoração. E não só isso, mas também a mudança na temática do bar, os Barmans e Bargirls e a vestimenta de todos os funcionários. Seus olhos excessivamente observadores o impediram de deixar quaisquer detalhes passarem desapercebidos.
Frank removeu do corpo o paletó chumbo, o pendurando entre a dobra de um dos braços. Ainda observando cautelosamente cada extremidade, caminhou em passos vagarosos até o balcão, decidindo acomodar-se ali ao invés de uma mesa especificamente centrada, como costumava fazer em qualquer estabelecimento que se prontificava a visitar. Não havia mesa alguma disponível no centro do local, como gostava.
Ao puxar uma das banquetas acolchoadas e sentar-se sobre esta, tratou de repousar o paletó no colo e afrouxar o nó da gravata preta de seda, abrindo dois botões da camisa social clara e perfeitamente alinhada. As mangas da camisa foram dobradas até os cotovelos, lhe favorecendo um ar despojado. Nem ao menos uma movimentação passou em branco pelas orbes vidradas de Gerard, colhendo cada bulir inteiramente cativado por reconhecer a face daquele a ocupar o banco. A pele tatuada dos braços recém-exposta e um pouco a mostra no peito, era novidade para ele, que se lembrava dos braços e o torso sempre cobertos por uma camisa xadrez de flanela das poucas vezes em que o viu. O confundiria com outro facilmente se não fossem os olhos brilhantes inconfundíveis que usou de inspiração para um desenho qualquer em um sábado aleatório, ainda que hoje o olhar gentil que lhe serviu de inspiração outrora parecesse repleto de austeridade ao captar tudo em volta.
Aquele a sua frente era o cara que usou secretamente para um esboço, que estranhamente saiu muito bom, tornando-se um dos desenhos aprimorados favoritos do Sketchbook de Gerard. Ele se lembrou daquele mesmo par de olhos que o vislumbrou de soslaio todas as três vezes em que o viu na praça defronte a cafeteria, três finais de semana consecutivos. Se lembrou de como desejou ver aquele mesmo homem por ali mais vezes para poder adicionar outros detalhes ao seu desenho, e a forma estranha como ele nunca mais havia aparecido por lá.
Gerard teria se demorado mais em sua contemplação curiosa, buscando entender qual motivo levava o cara da praça até o bar onde trabalhava àquela hora, e por que diabos parecia tão diferente das outras vezes? Não havia desenhado em seus finos lábios o sorriso que carregava todos os poucos dias em que o assistiu de longe se sentar com o que supunha ser um colega do outro no banco de madeira da praça enquanto desembrulhava sempre o mesmo sanduíche de geleia roxa, segurando sempre o mesmo copo de frappé de caramelo. Entretanto, uma voz esganiçada o fez voltar de abrupto para sua realidade.
— Gerard, porra! — bradou Ray pela milionésima vez — Seria legal se você fizesse o seu trabalho ao menos uma vez sem ficar viajando do nada — Ray prendeu a bandeja debaixo do braço, colocando a outra mão na cintura em uma pose engraçada para quem visse de fora — O careca da mesa três acabou de me xingar por sua culpa, que demora equivalente ao tempo de um parto natural para preparar a merda de dois copos de Gim-tônica!
— Foi mal, eu-
— Se distraiu outra vez? — deduziu Ray, imitando a voz de Gerard que só fez repetir a mesma coisa o dia todo — Olha cara, sabe que não precisa mentir pra mim, não sabe? Nós somos amigos, eu sei que algo está te incomodando — alegou, agora tendo para si a atenção de Gerard que o fitava com os olhos perdidos — Depois do expediente nós podemos comer alguma merda banhada em intoxicação alimentar que sobrar na cozinha e conversar um pouco, o que acha?
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Duality [Frerard]
Hayran Kurgu"... ele tem mais de uma personalidade, e eu sinto que me apaixonei justamente pela que me odeia."