Olhar não Recíproco

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                                               "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia".

- William Shakespeare.

     Mais uma noite de farra se passara, e mais uma noite, Cido chega bêbado à seu apartamento por volta das três da madrugada de segunda, tendo que levantar às cinco: rotina normal de qualquer universitário que estica ao máximo seu fim de semana, antes de voltar a enfrentar mais outra segunda-feira.

     Ele chega, programa o despertador, e dorme com a mesma roupa que chegara há pouco, tendo tirado somente o par de sapatos... e olhe lá!

     Com toda a certeza o jovem não tem mais tempo de olhar pela janela à noite antes de dormir e olhar as estrelas, como religiosamente o fazia por toda sua infância e adolescência, já que sua cabeça agora anda mais voltada para o mundo civilizado e real, sem nem ao menos se dar um segundo sequer do dia para apreciar o azul do céu.

     Pode-se dizer que Cido é um homem civilizado comum vivendo em seus plenos 21 anos de idade, no quarto período de  graduação em matemática. Trabalha de dia como funcionário público e estuda à noite numa faculdade particular.

     Tudo em sua vida vai indo bem de certo modo...  levando-se em conta que ele tem suas dívidas no cartão com diversos excessos cometidos, e problemas ocasionais de sua família paterna, mas nada que lhe tire do sério, afinal ele tem seus amigos e sua noiva, Marta, com os quais relaxa e compartilha seus bons e maus momentos, tão típicos de todo e qualquer jovem que se depara com esse gigantesco mundo à sua frente...

     De certa forma, ele leva uma vida vazia devido à perda de seu verdadeiro amor na juventude... jamais consumado devido à idade. Ele e Jade, que cresceram juntos, desde crianças sempre souberam que se amavam da forma mais pura possível, mas aos 12 anos ela morre num acidente, deixando-o só no mundo, sem amor.  Nunca houve sequer um único beijo entre os dois...

     Não que ele e sua atual noiva não se gostem muito, mas o problema é que eles apenas se gostam muito.

     Cido tem toda uma sorte de escolhas a fazer em sua jornada da vida, que mal está começando. Vive só em um apartamento de quatro cômodos, que é como sempre sonhou em viver desde sempre, e ele vai assim levando a vida de uma forma comum e cheio de sonhos.

     O problema de certas pessoas é que às vezes o incomum as agarra pelo pé e não solta nunca mais!

     Foi o que repentinamente lhe aconteceu numa madrugada...

     Já eram 5:00 da manhã quando o despertador toda sua música favorita, e Cido realiza seus “rituais” matinais: café, banho, etc... até o momento em que ele olha-se no espelho do armário do quarto, e vê seus olhos completamente fechados, como se estivesse dormindo.

     "Como eu posso estar vendo meus olhos fechados no espelho, se eles precisam estar abertos pra eu ver qualquer coisa? E se eles estão abertos, porque aparecem fechados?!" - este raciocínio foi mais que instantâneo para Cido, pois trata-se de uma reflexão automática e instantânea do cérebro humano.

     O cérebro de nenhum ser racional possui suporte e resistência para lidar com o impossível, o que faz imediatamente  com que Cido comece a beirar a loucura, entre em pânico absoluto, se arrepiando, e como reação defensiva do próprio cérebro, ele perde os sentidos completamente, caindo de mau jeito ao chão.

     Quando ele acorda, ainda caído no chão, ele observa que ao seu lado e embaixo da cama está uma enorme mariposa negra morta, conhecida popularmente como “bruxa”. Mas ele não presta muita atenção nela, por causa do estranho susto de ter visto seus próprios olhos fechados no espelho.

     Ainda espantado e em choque, ele se levanta questionando-se à princípio se aquilo foi um pesadelo ou não, mas como ele acordou no chão, Cido percebeu que tinha algo sério acontecendo com ele.

     Ficou com medo de olhar novamente no espelho... levantou-se e foi em direção ao banheiro lavar o rosto com água fria, mas ao chegar na porta, lembrou-se do espelho acima da pia, então mudou de direção e dirigiu-se à pia da cozinha, onde jogou água fria no rosto e principalmente nos olhos por um tempo...

O Precipício da Discórdia - A Saga de CidoOnde histórias criam vida. Descubra agora