27 de Junho, 2017

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     O jovem encarou aquele mesmo cabeçalho pelo que pareceram dias, semanas, meses; não conseguia sair dali, não conseguia avançar. Ele não sabia como transferir anos de sentimentos em palavras que coubessem em tinta. Sua mão tremia ligeiramente enquanto rasgava folha após folha de tentativa e reescrevia a mesma data. Se continuasse daquele jeito, dali a algumas horas a data em si se tornaria obsoleta e descartável — já passava das 22:00.

     Ele suspirou e se recostou na cadeira. Talvez estivesse fazendo tudo do jeito errado. Talvez, assim como muita coisa em sua vida, não fosse a pessoa ideal para passar essa mensagem. E que diferença faria, de qualquer forma? Já se passara muito tempo e não fazia sentido reviver um assunto que, provavelmente, já estava morto e enterrado na memória das pessoas envolvidas há muito tempo. Não na dele, é claro. Nunca na dele.

   E assim, pensando em como não levar seu fardo até o túmulo, ele descobriu a forma certa de começar a carta.

28 de Junho, 2017 ou 3 de Dezembro, 2007

     Eu nunca fui muito bom com as palavras, como você bem sabe. Sempre me faltava aquela alma que tinham meus pensamentos, as cores que me vinham tão facilmente nos recantos solitários da minha própria imaginação. E também me faltava delicadeza, me faltava aquele entendimento de como as coisas sociais funcionam. Às vezes eu falava alguma coisa sem nenhum intuito de fazer piada e as pessoas riam de tão absurdo era alguém pensar daquela forma. Mas não você. Você nunca riu de mim, você sempre riu comigo. E eu te amei por isso.

     - Não, não, isso está errado - o jovem pensou enquanto andava agitado pela pequena galeria. Era cedo demais, dramático demais. Então, antes que pudesse mudar completamente de ideia sobre a carta, jogou o rascunho fora e recomeçou pouco antes da revelação que deixou seu coração tremendo e suas mãos suadas.

     E eu sou grato por isso, mais do que poderia imaginar. Aqueles anos na faculdade teriam sido um completo inferno sem você ao meu lado. Quando eu estava prestes a desistir, era sempre você que me levantava. Quando nada mais parecia fazer sentido e a cama era muito mais atraente que aquele trabalho chato, eu sabia quem nunca desistiria de mim e queria que meus sonhos fossem realizados mais do que eu mesmo. Em todos os sustos, estávamos juntos. Em todas as caídas. Em todas as risadas. Em todos os momentos. Te conhecer naquela festa de primeira semana foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida e, se houver um Deus em algum lugar por aí, eu sempre vou ser grato a Ele por ter te encontrado. Mas como todo conto de fadas, tudo mudou.

     Ele ainda não estava pronto. Sabia disso. Estava sóbrio demais, consciente demais, para voltar àquela noite que dera início à série de dias melancólicos e sonhos solitários.

     Pensou que, talvez, conseguisse levar a cabo essa ideia toda se fingisse ser uma conversa com o destinatário. Mostrar ao seu ex-melhor amigo o que aconteceu aos olhos dele, justificar suas ações até o fim do ano de graduação. Seu peito pesava com a simples ideia de ter que rever a noite que regeu o resto de sua vida, mas ele respirou fundo e pegou a caneta novamente. Mas então ele se lembrou do que a mãe costumava dizer; como às vezes as pessoas tem que ser egoístas, porque ninguém vai ser por elas. Ela estava completamente certa. Quando teve a ideia de escrever a carta, não estava pensando no destinatário; ele decidiu fazer aquilo por si mesmo, 10 anos era tempo demais para guardar seus demônios em sua própria mente. Era hora de mandá-los embora.

     Então tudo mudou e você nunca entendeu o que aconteceu e por isso eu peço perdão. Pode-se dizer que essa é uma carta explicativa. Já passou da hora de você descobrir o que fez comigo, inconscientemente ou não.

HeatherOnde histórias criam vida. Descubra agora