Meu corpo esbanja curiosidade, então inicio a primeira parte do experimento: observação.
Coloco a mão em seu rosto e sinto sua pele. Ela possui marcas e manchas. Nada que me surpreenda, pois, como li em alguns livros antigos, os humanos são criaturas imundas e imperfeitas. Também tenho conhecimento de que são extremamente agressivos quando em seu estado luz. Agora, como a coisa encontra-se em estado treva, ela não se mexe muito. De acordo com minhas pesquisas, os humanos entram em seu segundo estado para demonstrar a nós, Krotas, que somos superiores e, então, se fingem de objetos submissos no horário da noite. Para eles, somos deuses. Haha, quanta ignorância.
Existe uma poção feita por um sábio que faz com que um selvagem entre em seu estado treva involuntariamente, apenas com o nosso poder e controle. Certamente, os viajantes utilizaram dessa artimanha para trazê-la até aqui inconsciente.
Retiro meus anéis de diamante e passo meus dedos por seu cabelo azul desbotado. Nada demais. É bonito, mas bonito não é perfeito. Seu rosto possui tatuagens que não sei o significado. Também há uma no ombro e outra no colo. Humanos amam uma futilidade. Realmente, desprezíveis.
Depois de algumas horas observando cada detalhe de sua pele e cabelo, coloco meus anéis de volta em meus dedos e saio do cômodo para pegar um caderno e um lápis para fazer anotações.
Felícia, dia A2 do ano AIC.
Argh, que dor de cabeça infernal. Aperto meus olhos com força e coloco as duas mãos na testa. Em seguida, abro-os lentamente e observo o ambiente. Sinto um aroma agradável, mas diferente no ar. O Antenor me levou para sua casa? Não reconheço esse cheiro. Mas... eu não conheço esse lugar. Não estou em casa. Nem na vila. Cara, onde eu tô?! Que porcaria de lugar é esse? Meus olhos estão completamente abertos agora. Paredes brancas, borboletas azuis voando, estantes pretas com um monte de livros, mesas com facas... Espera, facas? Por que aqui tem facas? Me levanto depressa de forma atordoada e confusa, sem prestar atenção no que eu estava deitada. Enquanto olho ao meu redor, vejo que tem uma porta aberta. Acho que é o único lugar que tenho pra onde ir. Caminho rapidamente em sua direção, mas algo chama a minha atenção...
Bato contra algo e caio no chão. ARGH, maldita distração. Esfrego uma das mãos na minha testa, e ao olhar para cima, vejo um rapaz alto, olhando para mim. De imediato, fico sem reação. Ele tem cabelo ondulado azul escuro, pele azul clara e olhos brancos, desenhos esquisitos no rosto que brilham um pouco. Usa uma roupa esquisita, parece um terno, só que mais exagerado e chique, e um negócio na cabeça que mais parecem dois chifres. O que diabos é esse cara? Franzo a testa, sem entender NADA. Começo a rir de nervosismo, sem acreditar no que tô vendo. Bom, eu só posso estar sonhando, então dou um tapa em meu rosto.-Que tipo de estupidez é essa? -Sua voz grossa me dá um susto.
Eu devia responder? Bom, já que tô sonhando, não faz mal conversar com um monstro.-Eu claramente estou sonhando, só preciso acordar agora. -Dou outro tapa em minha bochecha.
Ele me olha como se eu estivesse falando a coisa mais absurda do mundo. Aperta as suas sobrancelhas e faz um "não" com a cabeça. Parece confuso, como se não tivesse entendido o que eu disse. Então, se aproxima.
Não, não, mil vezes não. Eu realmente não sei o que diabos está acontecendo, mas tava tudo "sob controle" até esse bicho querer chegar perto de mim.
Já sei! As facas daquela mesa. Preciso fazer alguma coisa, né? Não posso morrer agora.
Rapidamente, me levanto e vou para perto da mesa que vi anteriormente. Agarro a faca com uma das mãos e digo:-Não chegue perto. -O ameaço.
Minhas mãos tremem, e meus olhos parecem querer pular para fora.
Ele dá uma risada debochada e me ignora ao continuar chegando perto. Não tenho mais tanta certeza de que estou sonhando. Meu corpo todo treme, sinto vontade de chorar, gritar, mas não vou fraquejar. Não posso fraquejar. Sou forte e corajosa, mesmo estando na presença dessa coisa.
Por trás dele, observo a porta. Ao meu lado, vejo a cama. Traço uma rota de fuga em minha cabeça em segundos e então a executo: Pulo para cima da cama rapidamente, corro através dela e passo ao lado do desgraçado, e depois pulo para perto da porta. Me viro em sua direção, apontando a faca para o mesmo, e me afasto lentamente. ISSO! Sorrio mais interna do que externamente, orgulhosa do que fiz. O homem, então, faz um gesto com uma das mãos. Ao me virar para finalmente sair correndo dali, vejo que a porta se fechou. Tá de sacanagem, né? Furiosa, apavorada e nervosa ao mesmo tempo, me viro de novo.-SAAAI! -Grito tão alto que ele faz uma careta de insatisfação.
-Urgh. -Bufa.
A coisa continua a chegar perto. Mas que merda! A raiva que há em meu corpo se acumula cada vez mais, mas ainda compete com meu medo pra saber quem vai se destacar. Apesar dos pesares, eu preciso me defender.
Junto toda a coragem que há dentro de mim e, sem hesitação, me aproximo rapidamente do homem azul e enfio a faca em seu estômago. Faço questão de olhar em sua cara esquisita, enquanto giro o instrumento pontudo dentro de seu estômago. Mas... Ele não faz nenhuma expressão de dor, nada. Será que fiz errado? Olho para a faca e percebo que não há sangue nela. É como se eu tivesse furado um travesseiro. Imediatamente me afasto. O bicho, então, tira a faca de sua barriga como se fosse a coisa mais natural do mundo e a joga no chão.
Não sei o que fazer. Isso parece muito absurdo pra ser real, mas muito real pra ser um pesadelo. Não encontro nenhuma explicação pra essa porcaria.-Por que você colocou esse instrumento de estudos em mim? -Questiona a coisa.
Engulo em seco e fico quieta. Não tenho certeza se foi uma ameaça ou uma dúvida. Além disso, meu cérebro ainda não processou essa situação ABSURDA.
-Me responda. -Ele insiste.
Respiro fundo. Coragem, Felícia. Coragem.-Não é óbvio? Foi pra te machucar. -Respondo, fingindo tranquilidade. Meu orgulho não me deixa admitir que estou apavorada.
- "Machucar"? Hmm, termo interessante. O que seria isso?
-Como assim, o que seria? Você é burro ou o quê? -Assim que a frase sai da minha boca, me arrependo imediatamente. Esqueci que estou conversando com um monstro, e não com um amigo meu.
-Eu deveria saber que tentar ter uma conversa civilizada com uma selvagem não seria possível. -Ele passa a mão na testa, chateado.
Estou ficando com nojo desse nome.-Dá pra parar de me chamar de selvagem? -Exijo.
-Você, sendo humana, devia se reconhecer como uma. -Ele rebate, seriamente.
Eu só posso estar louca. Passo as duas mãos por meus cabelos, transtornada. Respiro fundo, tentando me tranquilizar. Essa situação é absurda, vou apenas aceitar que estou delirando. Posso estar bêbada, é isso! Completamente fora de mim. Eu só tenho que sair daqui, agora. Nem que eu precise arrombar essa porta.
-Me deixe sair. -Digo ao cara, apontando para a porta.
-Fique à vontade. -O homem, então, faz novamente o gesto com uma das mãos, e em seguida a porta se abre.
O absurdo que acaba de acontecer me faz dar uma risada nervosa. Olho uma última vez para ele, e saio correndo o mais rápido que eu posso desse maldito lugar.
Ao me deparar com o ambiente novo, vejo que o chão é brilhoso, tão brilhoso que consigo me ver quase que perfeitamente. As paredes possuem cor bege e algumas pinturas de seres esquisitos. O corredor é longo e vazio, e no final dele tem uma grande porta aberta que mostra várias plantas bonitas.
Isso é... um castelo? Que nem eu vi nos livros?
Conforme corro disparada até a "saída", passo por uma mulher lilás de vestido e um homem laranja de terno, ambos olham pra mim como se eu fosse uma aberração. Quanta ironia.
É isso, eu estou bêbada. Completamente bêbada. Louca, maluca.
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Meu nome é Felícia (lembre-se).
FantasyFelícia está tendo um dia normal e agradável em sua vila, até um acontecimento absurdo afetar sua sanidade.