Capítulo três: narcisismo.

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Esdras, dia A2 do ano AIC, 9:00 da manhã.

Eu não sabia que humanos possuíam poder de escolha, os livros não mencionam este fato. Notoriamente, aquela selvagem tem, e escolheu sair do laboratório. Para dar um passeio, talvez? Ela deve se sentir lisonjeada por estar em um dos palácios dos Krotas.
Pego o meu caderno e caneta, então faço uma anotação:
“Observei, hoje, um comportamento peculiar: ela colocou o instrumento de estudos presente na mesa do laboratório em meu estômago. Não pude compreender seu objetivo, e o termo ‘machucar’ foi utilizado por ela.
Outro importante tópico a ser estudado são suas expressões faciais e respiração. Quando em seu estado treva, a selvagem mantinha um semblante tranquilo e respiração normal. Entretanto, ao entrar em contato comigo, seus olhos ficaram maiores, seu corpo tremeu e sua respiração acelerou. Parecia estar com medo. Porém, como todos sabemos, é impossível gerar qualquer emoção, seja felicidade ou medo, em relação a outro ser vivo. Fora a básica empatia, as emoções apenas existem em relação a situações, e não a outros seres. Estudarei mais a fundo este comportamento.”
Ao finalizar minhas anotações impecáveis, guardo meus materiais em meu criado mudo. Já faz alguns minutos desde que a selvagem saiu para passear. Acho que vou procurá-la, antes que outros desqualificados tentem roubar meu objeto de estudos.
Saio do meu quarto e caminho lentamente pelo imenso corredor. Passo ao lado do laboratório, então entro apenas para checar se está tudo em seu devido lugar. Ao empurrar a porta, que estava entreaberta, observo um fato estranho: As borboletas azuis sumiram. Nunca presenciei tamanho absurdo, é a primeira vez na história que as borboletas não se encontram num ambiente de coloração e perfume específicos para elas. Ótimo, agora, além de caçar a selvagem, vou ter que procurar as criaturas azuladas também.
Estressado, vou em direção ao majestoso jardim em busca das procuradas.
Chegando na entrada, olho ao redor. À esquerda estão as árvores que nos presenteiam com frutos enfeitadores. À direita, há uma imensidão de flores de todas as cores e formas imagináveis e inimagináveis. À minha frente...
Sinto uma mão tocar levemente o meu ombro.

-Por que você trouxe uma aberração para cá? -Reconheço a voz doce imediatamente, então me viro em direção a dona.

-A quem você se refere? -Questiono ironicamente.

-Estou me referindo àquela coisa que estava correndo no jardim. Por que você a trouxe para cá?

-Para estudar, Elisabeth. Você sabe que tenho esse objetivo desde muito tempo. Apesar de sentir nojo dessa espécie, preciso fazer isso.

Ela revira seus olhos pretos. -Não quero aquilo perto de mim. Nem interagindo com ninguém, me ouviu?

-Ela se aproxima, deixando nossos narizes próximos.

-Você está ciente de que não possui direito de me dar ordens, certo? -Me aproximo ainda mais, dessa vez quase encostando nossas bocas. E então, me afasto. -Além do mais, não é como se eu pudesse mandar na coisa. Descobri que humanos possuem poder de escolha, assim como nós.

-Hugh, interessante. -Sua fala possui desdém. -Mas ainda assim, são imensamente inferiores à nossa raça.

Ela dá um sorriso debochado e se vira, indo embora.
Ai ai, Elisabeth. Continuo a executar meu objetivo, procuro por todos os lugares do jardim, até que, de repente, em cima de um arbusto, vejo uma das preciosas borboletas. Assumo que o restante delas estão por aqui também, desde que nunca saem sem a presença das irmãs. Seguindo a rota das graciosas, começo a ouvir um barulho peculiar. Nunca ouvi isso antes, o que será? Caminho em direção a origem, e vejo a humana sentada em algumas folhas. Sua vestimenta está desarrumada e seus cabelos bagunçados. Ela possui um líquido vermelho saindo de seu joelho direito, e de seus olhos saem água. Seu rosto está vermelho e um pouco inchado, e ela faz barulhos estranhos. O que há com ela? Ao me ver, ela se assusta e se arrasta para longe de mim.

Meu nome é Felícia (lembre-se).Onde histórias criam vida. Descubra agora