três

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Algumas horas antes, tudo o que Jennie era capaz de pensar era em sua cama; no sossego de seu quarto, mas como seguir pensando nisso quando se descobre que sua voz estimula o cérebro de uma pessoa que está em coma há longos e torturantes quatorze anos?

-- E então, doutor, como isso funciona? -- Jennie perguntou. Era por volta das quatro horas da manhã quando o doutor conseguiu arrumar tudo para o novo tratamento de reanimação cerebral com ultrassom.

-- É uma técnica não-invasiva que usa pulsações de baixa intensidade para agitar os neurônios. As ondas sonoras serão direcionadas para o tálamo, que é parte do cérebro responsável por funções como regulação de consciência, sono e estado de alerta e, se der tudo certo, essas ondas despertarão a paciente.

-- Eu só preciso... falar? -- Jennie perguntou repuxando o canto da boca. O doutor sugeriu fazerem isso pela tarde do dia seguinte, mas Jennie disse que teria que estar no hospital em seus horários de prática. Boah, com medo de perder a oportunidade, pediu ao médico que fizesse o quanto antes e que dinheiro não seria o problema.

-- Apenas converse com ela, já sabemos que ela te ouve. Só vou levar Boah para assinar alguns papéis. Se importa de esperar? -- Jennie negou.

-- De jeito nenhum. -- Ela respondeu, bocejando no momento seguinte. Estava, de fato, morta de cansaço, contudo, também se via ansiosa.

-- Certo. Com licença. -- Ele pediu, saindo com Boah. Jennie suspirou e caminhou até a cama de  Chaeyoung novamente.

-- Olá de novo, Chae. -- Jennie disse, analisando com atenção cada detalhe da garota. Suas sobrancelhas eram finas e, apesar do aparelho que mantinha sobre o rosto para ajudá-la a respirar melhor, Jennie conseguia ver sua boca delicada e o nariz fino. Ela parecia estar dormindo; Jennie se atreveu a tocar a mão de  Chaeyoung com cuidado. A pele estava um pouco fria e Jennie decidiu fazer algo em relação a isso. -- Está com frio?

Perguntou por perguntar, afinal, o doutor já havia falado que pacientes nesse estado não sentiam nem calor e tampouco frio. Começou uma carícia lenta e gentil de sobe e desce na pele da menina, no intuito de aquecer a região.

-- Seu médico me contou um segredo. -- Jennie disse rindo. -- Ele disse que você gosta da minha voz. -- Jennie deu um pulo quando sentiu o dedo anelar de  Chaeyoung se mover. -- Oh meu Deus! Isso foi um sim? -- O dedo voltou a se mover e Jennie abriu a boca em completo espanto.

Boah precisava saber disso, era a única coisa que Jennie pensava.

-- Certo, vamos tentar de novo. -- Jennie disse sorrindo. -- Eu comprei alguns caramelos no caminho para cá esta manhã. Você gosta de caramelos? -- O dedo voltou a tremer e Jennie sorriu ainda mais empolgada. -- Você está indo muito bem. -- Jennie disse animada. -- Você sabe onde está?

Jennie esperou e alguns segundos depois, quando ela já pensava que não obteria resposta alguma, o dedo voltou a mexer, porém dessa vez duas vezes.

-- Duas vezes seria um não? -- O dedo voltou a mexer uma vez e Jennie sorriu. -- Bem, estou ficando realmente boa em entender você. -- Ela disse em um suspiro. -- Eu não sei por que justo a minha voz te atrai, mas estou feliz por isto. É bom se sentir útil às vezes. Meu chefe não me dá sinais de que eu seja boa em algo, então obrigada por isso,  Chaeyoung. -- A mão de  Chaeyoung apertou a de Jennie, fazendo Jennie se surpreender. -- Uoou, você realmente gosta que eu diga seu nome, hm? -- O dedo se moveu uma vez e logo em seguida a porta foi aberta.

-- Demoramos? -- O homem perguntou.

-- Doutor, essa máquina é realmente boa. Ela já consegue mover a mão. -- O homem franziu o cenho em confusão.

-- A máquina não está ligada, Jennie. Você tem certeza que ela se moveu?

-- Sim, várias vezes. Veja...  Chaeyoung, você poderia mostrar ao médico o mesmo que me mostrou? -- O dedo anelar voltou a se mexer e Jennie sorriu. -- Viu?

-- Isso é incrível, mas pode ser apenas reflexos. Eu quero muito que isso dê certo, Boah, mas não quero que crie expectativas demais ao ponto de se machucar caso ela não acorde ou tenha sequelas.

-- Não se preocupe, eu sei. -- A mulher disse tristemente, porém firme.

-- Hey, Chae... Sua mãe está linda agora. Ela está com saudades. Gostaria de abraçá-la? -- O dedo, mais uma vez, se moveu uma vez e Boah sorriu, sendo inevitável segurar as lágrimas.

-- Jennie, apenas continue. Vou ligar a máquina. -- O médico disse seriamente, caminhando até o aparelho e o ligando. Jennie encarou intensamente  Chaeyoung, pensando em algo que ela gostaria de escutar, porém não conseguiu pensar em nada, então decidiu dizer algo que gostaria de dizer.

-- Eu gostaria de poder ouvir a sua voz,  Chaeyoung. -- Ela disse. Lá fora tudo estaria um caos, afinal aquilo era um hospital, no entanto ali dentro o silêncio era preenchido apenas pelos sons emitidos pelas cordas vocais de Jennie. -- Você gosta de ouvir eu dizer o seu nome, mas acho que ele deve soar mais bonito na sua própria voz. Poderia me ajudar com isso?

Um suspiro foi escutado, porém não fora de Jennie, senão de  Chaeyoung. A garota parecia estar realmente tentando.

-- Não se preocupe, eu sei que está dando o seu melhor. -- Jennie disse, desviando seus olhos para a mão delicada e imóvel de  Chaeyoung. -- Vou voltar a segurar a sua mão, eu posso? -- O dedo voltou a se mexer e Jennie sorriu, esbarrando delicadamente sua mão sobre a de  Chaeyoung. -- Quando o doutor te examinou eu reparei que seus olhos são lindos. Eu trocaria todos os meus caramelos por voltar a vê-los! -- Disse um tanto envergonhada por estar revelando seus pensamentos em voz alta.

Boah sorriu, não um sorriso simples, pelo contrário, era um sorriso que enfeitava de orelha à orelha. Jennie era doce; mesmo sem entender quais razões levaram sua filha a se aferrar à voz daquela moça, de qualquer forma estava contente por isso.

Chaeyoung começou a se remexer inquieta na cama, fazendo Boah começar a chorar e Jennie se assustar. O médico retirou o aparelho que a ajudava a respirar, afinal, ele havia percebido que havia sido por aquela razão que  Chaeyoung se mexera. O aparelho a incomodava.

--  Chaeyoung? Pode me ouvir? -- O doutor perguntou em expectativa.

--  Chaeyoung? -- Jennie chamou e, assim como ela pediu, os olhos vagarosamente começaram a se abrir. Jennie simplesmente paralisou; a garota abriu os olhos bem em sua direção, como se o tivesse feito unicamente para vê-la. A intensidade das suas orbes era intimidadora, mas em momento algum Jennie desviou os olhos.

-- Olá de novo. -- Jennie proferiu, deixando que um sorriso dominasse sua expressão. Os olhos piscaram pela primeira vez e o médico lhe olhou em expectativa.

-- Os seus olhos também são lindos. -- A voz saiu baixa, tímida e acompanhada de um pequeno sorriso. Era mesmo real, ela havia acordado.

Em um piscar de olhos - chaennieOnde histórias criam vida. Descubra agora