ela nas estrelas

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as vezes eu penso sobre isso.

sobre como era tão puro e verdadeiro seu afeto pelas estrelas. de quando eu fingia que estava dormindo só para ouvir as confissões profundas que ela fazia pra Lua, de quando ela me contava as lendas por trás das constelações com uma solidão na voz e desejo de pertencimento no olhar, de quando ela desenhava galáxias nas bordas das páginas das apostilas de física mecânica falhando em se manter focada durante os cinquenta minutos de aula. de quando ela me contou sobre a ânsia que tinha por uma liberdade longínqua de sua realidade e eu me amaldiçoei por ser impotente naquela situação. de quando ela batizou de "constelação" seu poodle de pelos esbranquiçados que adotou por cinco anos e deixou sob meus cuidados então, de quando entrei em seu quarto pela primeira vez e era tudo o que pude ver e depois sentir lá, de quando eu percebi que começara a observar o céu apenas porque essa sua paixão me invadiu & contagiou, de quando eu comecei a conversar com a Lua enquanto ela fingia que estava dormindo debaixo dos lençóis segurando o riso — nunca soube guardar segredo — quando eu declarava exageradamente meu amor por ela para o satélite em suas noites mais brilhantes.

desde que ela partiu, observar o céu noturno tornou-se a atividade mais solitária. as vezes eu penso sobre isso. e culpo-me por não ter pensando antes; por não ter mostrado que não só das estrelas provém a beleza do Universo. em vez disso, preenchi tudo com minha cega paixão pelo amor da minha vida quando ele mesmo tinha o equivalente espaço ocupado pela fascinação estelar.

a quinta constelaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora