- O que? Não tem como... - disse me afastando dela.
- Pode parecer estranho, mas faz todo o sentido... Onde está sua mãe agora?
- Minha mãe morreu a muito tempo. Eu fui criada por minha avó.
- Dona Carmem? Ela é minha sogra...
- É ela sim... - disse isto me aproximando dela- Como isto é possível?
Como ela poderia saber o nome dela se não nunca nos vimos antes e ninguém aqui sabia sobre minha avó? Será que ela é mesmo minha mãe? É tão estranho... Eu sempre quis conhecer meus pais nem que fosse por fotos e agora minha mãe está aqui na minha frente e tudo o que faço é negar? A verdade é que eu quero muito que ela esteja dizendo a verdade.
- Olha vamos sair daqui. Precisamos conversar a sós. Tenho muita coisa pra te explicar.
Antes de sair ela ainda me perguntou se eu estava com fome e se preferia comer primeiro, mas disse que não, com essa história minha fome até passou. Saímos e entramos em uma sala vazia.
- Alice, meu nome é Mônica Bianqui Souza...
Quando ouvi seu nome, tudo dentro de mim se confirmou. Meu coração acelerou e minha mão começou a tremer, mas acho que ela nem percebeu.
- ... e nem sei por onde começar... Bem, acho que você já conhece um pouco da ditadura... Quando começou há dez anos atrás você era uma criança linda de 4 anos. Eu, você e o seu pai saiamos sempre e vivíamos muito feliz. Na minha memória sempre vejo você com suas bochechas rosadas e o cabelo loiro balançando. Mas tudo mudou quando Antônio Serafim tomou o poder. Aquele ditador desgraçado decidiu que iria perseguir o conhecimento e consequentemente isso afetou diretamente os professores. Eu e seu pai éramos professores, eu de Química e ele de História. Quando a notícia sobre o fim do conhecimento se espalhou muitas revoltas aconteceram e seu pai como era teimoso ia em todas as manifestações que podia. Eu insistia pra ele ficar em casa, mas seu desejo de melhoras falava mais alto. Até que um dia...
Ela parou de falar, sua voz começou a falhar e seus olhas encheram de água.
- Tudo bem?
- Tá sim, eu só preciso respirar... Não se preocupe. - disse ela respirando fundo - ... Até que numa destas manifestações, a polícia chegou armada e disposta a atirar em qualquer um que estivesse ali, mas ele não se importou, deixou a emoção falar mais alto e continuou lá. Mais tarde eu recebi a notícia de que ele havia levado dois tiros e acabou morrendo no local...
- Então meu pai está morto de verdade?
- Está minha querida. - disse ela segurando minhas mãos. - Depois de sua morte as coisas só pioraram. Depois do enterro dele nós duas nos mudamos pra casa de D. Carmem, ela me ajudou a cuidar de você. Ficávamos em casa escondidas o tempo todo, pois eu tinha muito medo do que podia acontecer. Tanto eu como ela éramos professoras, pelo menos eu era, ela já havia se aposentado. Mas se nos pegassem você ficaria sozinha e isso me assombrava... Mas não adiantou muito, dois dias depois, dois policiais bateram na porta e me levaram junto com os livros que estavam em cima da mesa. Só não levaram sua avó porque dissemos que ela era dona de casa e analfabeta e como a vizinhança era nova, não sabia do seu passado. Pedi que ela cuidasse de você e vejo que ela fez isso muito bem... – disse essa última frase com um sorriso no rosto.
- Quando perguntava pra vovó o que aconteceu com vocês ela sempre disse que vocês se foram, mas não disse como.
- Ela estava tentado te proteger.
- Sempre achei que os dois estivessem mortos. Eu queria saber o que aconteceu.
- Seu pai ela sabia que estava morto, e se ela fosse te contar como aconteceu teria que te dizer sobre tudo o que aconteceu. Já em relação a mim, ela nunca soube realmente o que aconteceu. Talvez ela acredite que eu esteja morta depois de todos esses anos. Éramos tão jovens... Eu tinha 26 e seu pai 28 e tivemos nossa família destruída... Nem acredito que estou com você de novo! Quando parti, você era tão novinha... Queria tanto ter acompanhado seu crescimento...
- Como descobriu tão rápido que era eu?
- Quando você entrou aqui algo me chamou atenção em você. É como se eu estivesse vendo a mim mesma quando tinha sua idade. Quando Marla falou que seu nome era Alice, me espantei, era o mesmo nome da minha filha e depois você disse que tinha 14 anos, exatamente a idade que ela deveria ter. E quando você disse seu nome completo tive a certeza. – Seus olhos brilhavam quando me dizia isto.
- Posso te dar um abraço? - perguntei
- É o que eu mais quero.
Nós nos abraçamos e aquele abraço estava carregado de sentimentos, tanto meus quanto dela. Foi quando a minha ficha finalmente caiu. Eu agora sabia a história dos meus pais e minha mãe, que sempre quis conhecer, estava presa no meu abraço. A emoção tomou conta de mim, não consegui controlar, lágrimas caiam dos meus olhos e comecei até a soluçar.
- Calma meu amor... Estou aqui agora e vou cuidar de você... vai ficar tudo bem...
- Eu sempre quis ter a minha mãe comigo, e agora eu tenho - disse isso soluçando
- Eu também sempre quis te ter comigo de novo - lagrimas também rolaram dos seus olhos
Aquele foi um abraço reconfortante e bem demorado. Quando nos soltamos, limpamos nossos olhos e respiramos fundo antes de sair da sala onde estávamos. Depois voltamos para o refeitório que já estava bem vazio e ainda encontramos algo pra comer.
Marla nos esperou comer para que lhe contássemos o que tinha acontecido. Assim que terminamos levantamos pra ir embora e então minha mãe (como é bom dizer isso!) deu um grande abraço em Marla e depois disse:
- Obrigada minha amiga, por me trazer o melhor presente que poderia receber!
- Por nada, mas o que aconteceu?
- Alice é minha filha, Marla. É a filha que deixei quando vim pra cá.
- Meu Deus! Então foi o destino que fez com que ela viesse parar aqui! É muita sorte, pois poderia ser mandada pra qualquer lugar!
- É verdade.
Ficamos juntas o dia todo, só nos separamos na hora do toque de recolher. Tínhamos que ir cada uma pra sua sala, onde nos trancariam antes de dormir.
Eu não conseguia dormir. Não parava de pensar em tudo o que havia acontecido hoje. Na minha cabeça o tempo todo passava um filme de tudo o que vivi hoje e também das histórias que minha mãe havia me contado. Ainda tinha que dar um jeito de escrever a carta pra minha avó, pois quanto mais eu demorasse, mais preocupada ela ficaria. Resolvi que não ia contar isso pra minha mãe, pelo menos não agora, não é seguro e quanto menos pessoas souberem, melhor.
* Se estiverem gostando curtam pra que eu saiba se está agradando...
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É proibido ler livros
General FictionE se fosse proibido ler livros? Quem já parou para pensar sobre isso percebeu como a vida seria triste e vazia. Nesta história nos deparamos com este problema no Brasil após a proibição dos livros ser feita numa nova ditadura militar, agora chamada...