Lá estava eu, sentada em uma cadeira da delegacia esperando chegar minha vez pra conversar com o delegado. Depois que Rebecca mostrou meu livro para o policial, ele me trouxe pra cá e disse que era pra esperar me chamarem. Ainda o ouvi dizer baixinho, como que num pensamento alto “você está encrencada". E eu estava mesmo. Depois de descobri a existência de livros fui alertada diversas vezes sobre as consequências de ser pega com um livro. As histórias que me contaram eram terríveis e essas pessoas que foram descobertas nunca mais foram vistas.
Depois de esperar por meia hora, um policial me levou até a sala do delegado. Era uma sala não muito grande. Havia um homem bem sério sentado em sua cadeira confortável, olhando para a tela do seu computador. Quando me viu apontou para a cadeira que estava na minha frente e me sentei.
- Bem o que temos aqui... - disse ele olhando para uns papeis que recebera do policial- Pega portando um exemplar de livro..
Ele fez uma cara feia e depois olhou pra mim, que estava encolhida na cadeira esperando o pior.
- Qual é o seu nome garota?
- Alice - respondi sem olhar diretamente para ele.
- Quantos anos você tem, Alice?
- Quatorze...
- Você sabia que portar livros é crime? Onde você os conseguiu?
- Eu... achei na rua...
- Tem certeza?
Fiz que sim com a cabeça. E li seu nome em uma plaquinha em cima da mesa, delegado Motta, era o que dizia.
- Alice, eu fico triste por ter que prender uma garota tão nova como você.
- Eu vou ser presa?
- Sim... Portar um livro é um crime muito grave.
- Mas eu posso falar com minha avó antes?
- Não. Quando se comete este crime, a reclusão é imediata e completa, você não pode ter mais contato com ninguém fora daqui.
E agora! A única coisa que vinha em minha mente era a minha avó e o sofrimento que ela passaria. Ela já perdeu todos que ela amava, e agora eu também, temia o que aconteceria com ela. Quando pensei no pior uma lágrima correu pelo meu rosto e quando olhei para o delegado vi que sua postura séria havia desaparecido e tinha dado lugar a um sentimento de fragilidade.
- Sabe garota, vou te confessar uma coisa que nunca falei com ninguém. Eu sempre fui um amante e admirador da literatura. Sempre gostei de ler e os livros eram minha válvula de escape, era o que eu fazia quando saia daqui. Este trabalho é meio conturbado e ler era um alívio. Mas com a Ditadura tive que abandonar essa minha paixão e pior, tinha que colocar na cadeia pessoas que tinham esse mesmo gosto e por tempo indeterminado, depois que entraram não saíram mais. Minha consciência pesa todos os dias, estou agindo contra meus valores, mas se eu fizer diferente perderei meu emprego... Antes me sentia feliz como delegado, pois prendia pessoas que causavam mal à sociedade, agora isso não faz mais sentido, os meliantes estão soltos, pois roubos e violência são considerados pelo governo com crimes leves e tem pessoas de bem que estão trancafiadas há dez anos! - disse a última frase dando um soco na mesa e seus olhos mostravam muita raiva.
Eu fiquei calada, o delegado Motta estava desabafando, e eu estava impressionada com cada palavra que saia da sua boca, em certo momento ele chegou até a esquecer que eu estava ali.
- Eu realmente sinto muito por tudo isso, mas é o que precisa ser feito... Prender uma pessoa da sua idade, com tanta vida pela frente me deixa triste, mas não posso deixar passar e fingir que você não fez nada porque existem testemunhas. Se pudesse, tenha certeza que eu faria alguma coisa por você.
- Posso te pedir uma coisa? - Tomei coragem e perguntei
- Se eu puder fazer...
- Só te peço que dê um jeito de avisar para minha avó o que aconteceu comigo e mandar um pequeno bilhete para ela...
- Hum... Acho que posso fazer isso. Eu tenho meus agentes de confiança, e que acreditam na literatura assim como eu. Eles farão isso por mim...
- Obrigada. E por favor, não a prendam por estar do meu lado ou coisa do tipo...
- Tudo bem. Direi que você não quis informar parentesco ou lugar onde mora.
Ele me deu um pedaço de papel, escrevi o bilhete e anotei no verso o endereço e o nome da minha avó.
- Alice, segundo as leis, as pessoas presas por porte de livros não podem permanecer na cidade onde mora, nem no estado, por isso você será transferida para outra cidade...
- Para onde?
- Eu tenho um pessoal de confiança em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, por isso te mandarei para lá. Vou garantir que não aconteça nada de mal com você e ainda posso dar um jeito de fazer com que você mantenha contato com sua avó...
- Isso seria ótimo! Obrigada... Mas não posso deixar de perguntar... Por que o senhor está fazendo isso por mim?
- Porque eu realmente gostei de você. Tenho uma filha da sua idade e fico imaginando se fosse com ela. É realmente muito triste que pessoas que buscam conhecimento sejam silenciadas para quem um governo ditador continue existindo...
- E se esse governo fosse derrubado?
- Seria ótimo! Mas é impossível, um sonho muito difícil de realizar.
- Vou ter uma ideia e te aviso. Isso não pode continuar!
- Você está certa. Quando tiver uma ideia me comunica, se for boa iremos fazer acontecer. Mas agora você precisa ir. Um policial irá te levar para uma sala onde ficará trancada até amanhã de manhã, quando te levarão para o Rio Grande do Sul.
A sala que ele falou era pequena, tinha apenas uma mesinha e um sofá, acho que ele me mandou pra lá por que não queria que ficasse junto de criminosos de verdade. Eles levaram comida para mim por duas vezes.
De manhãzinha eu acordei com a porta abrindo. Entraram dois policiais que me algemaram e levaram novamente para uma viatura, mas meu destino agora era outro, um bem pior...
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É proibido ler livros
General FictionE se fosse proibido ler livros? Quem já parou para pensar sobre isso percebeu como a vida seria triste e vazia. Nesta história nos deparamos com este problema no Brasil após a proibição dos livros ser feita numa nova ditadura militar, agora chamada...