De Outros Carnavais

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— Que fantasia massa doido, só falta a auréola — comentou o Lampião encarando-o com olho esquerdo de cima a baixo.

No clima do carnaval seu vestuário era uma camisa branca com uma calça da mesma cor, pequenas asas brancas presas às costas e o restante do visual parecia mais despojado.

— Cortesia da Troça — disse o Lampião estendendo-lhe uma garrafa de Axé piscando com o único olho aberto e largo sorriso brincalhão.

— Obrigado — respondeu o Anjo com timidez.

Seguir uma troça carnavalesca não estava dentro de seus planos. Ainda mais com aquele enorme calor Olindense.

Corpos suados de pessoas fantasiadas e outras seminuas, todas amontoadas umas às outras ignorando a existência de qualquer espaço pessoal (se é que essas pessoas sabiam o que era espaço pessoal) entre fortes amassos regados ao cheiro de bebida alcoólica e música alta em toda a parte.

Definitivamente não era seu programa preferido.

Não podia negar a cultura e beleza das fantasias e dos passistas, mas aglomerações em geral o sufocavam.

Eliel olhou para a garrafa de Axé em sua mão, abriu, cheirou e fez uma careta.

Ainda assim deu um pequeno gole para confirmar se o sabor daquilo era tão ruim assim.

Argh!

Apesar do gosto doce remeter a mel e ervas, o teor de aguardente o fez torcer a os lábios e tremer a pálpebra esquerda involuntariamente. Além de sentir uma serpente em chamas querer lançar fogo por sua boca e suas narinas.

Olhou ao redor em busca de uma lixeira.

Encontrando, mirou à sua frente e lançou a garrafa ainda cheia.

Um som de poc se fez quando a garrafa atingiu o destino almejado.

Cesta!

Espremendo-se entre os foliões desavisados, ele se movia em sua direção.

Só sabia que ela estava ali perto, no meio da multidão.

Precisava encontrá-la depressa. Estivera distante por muitas horas.

Um Visconde de Sabugosa esbarrou em Eliel.

— Sai do meio, galalau! Parece um boneco de Olinda — disse o sabugo de milho fazendo cara feia por um segundo, mas logo estava dançando e sorrindo ao ritmo de Me Segura Senão Eu Caio do Alceu Valença.

Eliel sorriu atentando para o quanto as músicas ali eram boas. Apesar do volume mais alto que o necessário em sua opinião, eram excelentes melodias conduzidas ao ritmo de frevo, maracatu e marchinhas.

Conseguia separar muito bem na sua mente os instrumentos usados naquelas melodias. Trompete, trombone, saxofone, teclado, pandeiro...

Enquanto distinguia um instrumento do outro sentia em suas mãos um desejo de reproduzi-las, tocando de forma contida versões invisíveis dos mesmos instrumentos.

O frevo tinha o poder de desabrochar alegria, energia e calor. Combinando muito bem com o sol das dezesseis horas que ainda banhava com seus raios o Alto da Sé.

Gostava do sol da tarde, mas certamente o apreciaria muito mais sem gente empilhada disputando sua atenção.

Aproveitou o momento em que a troça centralizou sua marcha na Praça da Sé para tentar encontrá-la, antes de ser levado pela maré de pessoas em um direção contrária.

Esticou o pescoço olhando para um canto mais afastado e finalmente viu os cachos ruivos balançando ao vento, sob... uma criatura de pele vermelha, cavanhaque pontudo, um par de chifres, capa preta e uma cauda em forma de seta se arrastando pelo chão!

Fôlego - Entre o Céu e o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora