Península do Leste, Mata Solitária
NATOS IV
Tudo que Natos leu sobre batalhas era mentira. Cada página, cada frase, nem uma sequer pontuação se salvava de ser uma calúnia. Não havia honra no interior do confronto, todos golpeavam e matavam uns aos outros pelas costas sem nenhum pudor ou senso de cavalheirismo.
Mas o que era cavalheirismo? Você mesmo deixou o seu melhor amigo para morrer. — pensou Natos.
Ninguém aceitava a morte, todos lamentavam as suas vidas no último momento. Ofereciam servir o inimigo, imploravam pela clemência, se borravam de medo, mas nenhum, por mais nobre que fosse, morria como nas canções.
Muito menos Sor Natos Gael de Ponta Madeira, o covarde.
A morte era feia, dolorosa e cheirava mal. O cheiro era uma mistura de todos os piores odores que existem, causavam uma náusea constante provocando uma vontade enorme de matar e morrer ao mesmo tempo.
Olhar para cima resultava em ver a grande quantidade de inimigos pela frente. Ter que lidar com o pavor de morrer a qualquer instante por um golpe qualquer de um soldado de merda desconhecido. Olhar para baixo era encarar os mortos, moribundos e suplicantes. Com seus cortes profundos e sangue a se misturar com o solo. Tudo no chão se transformou numa única massa escura, orgânica e agonizante aos pés das árvores. Restando apenas à falsa deusa-mata zelar pelos corpos que manchavam seu território com sangue e dor.
O azul cobalto da Casa Gael de Ponta Madeira estava pintado em todas as armaduras e elmos dos soldados daquele exército. Assim como o amarelo vivo dos Kol de Porto da Baixada. Laranja avermelhado da Casa Lótus de Solar Nascente. E, por fim, verde musgo dos Unt de Montemar.
O que antes era a união mais colorida e diversificada se transformou numa cor homogênea de sangue e sujeira. Natos poderia jurar que viu soldados amigos se matando. Todos estavam da mesma cor, todos gritavam, xingavam e lamentavam. Os rostos semelhantes, vozes quase iguais, a mesma sede de matar, vencer e sobreviver.
Ninguém queria morrer.
No fim, Natos tinha certeza que ninguém queria estar ali. Lutando uma batalha estúpida que começou com moedas e impostos.
Mas ele estava errado, pois, alguém queria estar. Ou pelo menos foi essa a impressão quando Sor Laio Kol e seus cavaleiros não só sobreviveram, mas quebraram a formação do flanco direito do abraço-do-urso.
Natos penetrou no abraço por uma brecha que conseguiu, por pouco, ao avançar direto por Sor Laio. O cavaleiro gordo de Porto da Baixada tentava, com dificuldade, reunir o seu exército que se dividiu. Ele pediu ajuda, mas Natos o ignorou. Tinha certeza que ele morreria e não faria sentido sacrificar a sua montaria. Natos estava montado em Princesa, o único com um cavalo. Mas, como uma maldição da falsa deusa-mata, a égua empinou sozinha de novo e Natos foi levado ao chão. Um soldado aleatório só não o matou, pois, o machado de Gunter o viu primeiro. O gago de dois metros montou em Princesa, abriu caminho inacreditavelmente pelo flanco e fugiu gritando coisas sem sentido para si mesmo.
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Invulnerável
خيال (فانتازيا)Os deuses abençoam aqueles cujo destino é entrelaçado ao equilíbrio. Porém, num mundo onde a maior parte dos territórios é unida por uma fé intolerante, os conectados aos deuses são perseguidos e suas existências são negadas. Uma resistência formad...