Faltavam poucos minutos para as seis horas, mas Thiago esperou até que o ponteiro chegasse ao topo do relógio para então começar a guardar suas coisas. Pegou o celular, o carregador, a agenda e o notebook e os colocou na mochila. Trabalhava em um escritório no centro de Novo Horizonte; não era o melhor emprego do mundo, um tanto estressante e exigia dele mais do que era saudável. Entretanto, o salário era razoável, o suficiente para pagar suas contas e ainda sobrar um pouco para sair com sua namorada uma ou duas vezes ao mês. Thiago tinha para si que cairia fora daquele emprego assim que uma oportunidade melhor aparecesse, contudo esse dia não parecia estar disposto a chegar tão cedo.
Após recolher seus pertences, deixou o escritório e desceu os sete andares do prédio usando as escadas. A última coisa que precisava naquele momento era de um elevador cheio de pessoas tão exauridas e suadas quanto ele; além disso, os intermináveis degraus davam a ele uma chance de se exercitar - para Thiago, isso era algo raro nos últimos tempos.
Saindo do prédio, caminhou duas quadras e atravessou a rua cheia de carros para enfim chegar ao ponto onde pegava o ônibus. As pessoas caminhavam apressadas pelo passeio, e se Thiago não tivesse o bom senso de se desviar teria acabado esbarrando em alguma delas. Assim que chegou ao ponto, sentou-se para esperar o ônibus. Thiago observou os cidadãos andarem de um lado para o outro, enquanto imaginava o que estaria ocupando suas cabeças. Sua impressão era de que agiam de maneira tão automática que poucas delas tinham pensamentos concretos enquanto se deslocavam pelas ruas do Centro. Sabia disso, pois ele mesmo também agia de tal forma. Balançando a cabeça, procurou focar em coisas mais importantes do que aqueles devaneios. Sobre ler mentes, Thiago era tão normal quanto qualquer outra pessoa.
Em dez minutos, o grande veículo azul dobrou a esquina e Thiago fez sinal para que ele parasse. Com um ruído enferrujado, a porta do ônibus se abriu e ele entrou sem demora. Como já esperava, o coletivo estava lotado. Todos os assentos estavam preenchidos, e até mesmo encontrar um lugar no corredor era desafiador. Era assim todos os dias; aquela era, sem dúvidas, a maneira mais prática de se sentir como sardinha enlatada.
O ônibus desceu a Avenida Pinheiro, parando em alguns pontos, e então seguiu pela Avenida Pena. No horário de pico as vias do Centro já eram normalmente engarrafadas, porém o fluxo de carros apressados e ônibus lotados estava maior que o de costume. Após vinte minutos parados no mesmo lugar, os passageiros do ônibus começaram a ficar inquietos.
Thiago ouviu dois rapazes se questionarem sobre o motivo do trânsito estar tão estático. Ambos eram jovens e usavam uniformes de colégio, provavelmente ainda cursavam o ensino médio.
- Não, foi um assalto. - Disse um deles, respondendo à pergunta do colega. - Um grupo de caras tentou sequestrar uns ônibus. Ouvi falarem disso no rádio antes de sair da escola.
- Caramba, no meio da Avenida Pena? E o que eles queriam, além de atrasar minha chegada em casa?
- Não sei. – O garoto respondeu. - Ys chegou e os derrubou em poucos minutos. Chegando em casa te mando o vídeo. Eles não tiveram a menor chance. – Thiago já esperava ouvir algo como aquilo. Ys era a solução para todos os problemas com criminosos na cidade, segundo a população. Na prática, as coisas não eram assim tão simples.
- Claro que não. Sinceramente, não sei por que ainda tentam. Ys mal deixa os assaltos menores acontecerem, quem dirá os grandes. - "Claro que não" repetiu Thiago, em pensamento. Se havia alguém que podia ter uma opinião ou duas sobre Ys, esse alguém era ele.
O trânsito permaneceu parado por pelo menos mais vinte minutos. Enquanto compartilhava daquele espaço apertado com quase setenta pessoas, era difícil não ouvir seus comentários. Boa parte deles eram sobre Ys. Duas moças falavam sobre o quanto ele era gostoso e uma delas acrescentou que cometeria um crime apenas para que ele colocasse suas mãos sobre ela.
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A Queda dos Heróis
General FictionThiago é um jovem adulto que vive sua vida como qualquer outra pessoa na cidade de Novo Horizonte. No entanto, anos atrás, atuava como herói e guardião da população, compondo, com outros nove heróis, os Cavaleiros de Novo Horizonte. Após a perda tra...