Final "A"

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                                                                  .Tsunade.

Naquela mesma data, todos os anos, eu fazia aquilo. Muitos que vissem de fora poderiam chegar a conclusão errônea de que cada vez a velhice me consumia, me fazendo ter aquelas manias típicas da mesmice de velha caduca. Mas, aquela minha estranha mania tinha virado uma espécie de tradição e, toda a noite daquela mesma data eu ia à varanda lhe esperar, trajando meu vestido preto rendado, enquanto bebericava de leve uma taça de vinho tinto, o mesmo em que ele escolhera naquela noite, há exatamente doze anos atrás. Todas as noites daquela data, durante aqueles longos e dolorosos anos, Kami me abençoava com aquele céu estrelado límpido, um lindo pedacinho da Via Láctea, à mostra para todos os habitantes de Konoha contemplarem. O horizonte era o mesmo que observávamos naquela noite, a não ser pelas novas dezenas de moradias que se ergueram pela aldeia ao longo daqueles anos de paz, além de claro, dos dois rostos de meus sucessores esculpidos na rocha: o de Kakashi Hatake, o sexto Hokage e Naruto Uzumaki, o sétimo Hokage.

Ao observar o rosto do Uzumaki esculpido na rocha acinzentada, meu coração se aquecia e eu olhava ao céus, se questionando se Jiraiya estava vendo isso lá de cima, de que seu imaturo discípulo, o menino loiro esporrento, tinha se tornado um homem responsável e pai de duas lindas crianças, Boruto e Himawari. Eu tinha certeza de que meu bom amigo estava sorrindo, acima daquele céu salpicado de pontinhos coloridos, orgulhoso por ter feito parte da vida de Naruto.

Ah Jiraiya, que falta você me faz!

Apesar da saudade apertar meu peito nestes momentos eu nem conseguia mais chorar pois, ao longo daquelas décadas, já chorei muito por ele e, após todos esses anos, pareceram-me que as lágrimas abandonaram o meu corpo, como se fossem as poças de chuva evaporando sobre o sol escaldante. A saudade ainda estava lá, é claro, apertando meu coração sôfrego, além da inseparável tristeza de vê-lo partir e nunca mais voltar, que sempre vinha me assombrar naqueles momentos em que eu estava mais vulnerável à nostalgia. A fim de vencer aquele maldito incômodo, eu começava a me recordar de nossas boas lembranças, preenchendo minha nostálgica mente com o som das gargalhadas altas dele no bar após ingerir doses e mais doses de saquê, de seu sorriso confiante sempre estampado no rosto e aqueles toques maravilhosos de seus dedos percorrendo meu corpo, marcando minha pele alva com suas digitais tão desejosas. Ah, meu sábio tarado, eu queria tanto que estivesse ao meu lado!

Mesmo após terem se passado um pouco mais de uma década, às vezes eu me pegava, em minha merecida aposentadoria, caminhando lentamente até os portões da Vila e ficar um tempo por lá, com meus olhos castanhos fixos no horizonte arborizado, esperando você voltar. Já perdi as contas de quantas vezes vi seu corpanzil volumoso aparecer por entre as árvores, com algumas folhas esverdeadas embrenhadas nesta sua juba de leão idoso e seu sorriso radiante estampado no rosto, um pouco sujo e ferido por causa da batalha, mas nada que fosse capaz de apagar aquele seu sorriso, nem mesmo o suor e o sangue de uma árdua luta.

Olhei novamente para o painel luminoso no topo de um prédio que exibia, entre algumas publicidades, as datas e as horas. Foi exatamente naquele dia, há doze anos atrás, que confessamos nosso amor oculto pela primeira vez. Parecíamos dois jovens bobos, após o baile da escola, preparados para dar o primeiro beijo de nossas vidas...tudo tão ridículo para nós, dois cinquentões cafonas! Agora, me lembro de toda aquela cena com um carinho enorme e consigo visualizá-la em minha mente de velha exausta nos mínimos detalhes, desde a nossa valsa descompassada de nós dois um pouco desengonçados até mesmo nosso beijo. Parecia exagero mas, como se de alguma forma, a memória fotográfica de meus sentidos gravaram o calor de sua respiração acariciando a pele sensível de meu rosto e o sabor de seus lábios nos meus. Certeza que eram apenas delírios de uma velha solitária como eu!

Caminhos de pétalasOnde histórias criam vida. Descubra agora