A vida da pequena Maria não foi fácil, nascida em família pobre, desde pequena, ela se envolveu em atividades domésticas. Seu pai trabalhava na roça e sua mãe era dona de casa. Assim cresceu Maria, aprendendo com sua mãe sobre tarefas domésticas. Aprendeu a lavar, varrer, passar e aprendeu a cozinhar, esta última tarefa a tornava a segunda melhor cozinheira da casa, já que sua mãe era a primeira. Maria tinha irmãos e algumas irmãs e dentre elas, ela se destacava por ser a mais inteligente e mais ágil em casa. Por essa característica, Maria passou a ser uma mãe, pois ela tinha desenvoltura para cuidar dos demais, mesmo sendo a caçula da família, ela tinha mais traquejo que as outras. Quando sua mãe chamada Helena faleceu, Maria foi a escolhida, mesmo que contra a sua vontade, para tomar conta de suas irmãs e irmãos. Era de sua tarefa, limpar a casa, lavar roupas, fazer a comida e tomar conta de seus irmãos e irmãs. Como seu pai trabalhava na roça, pouco ficava em casa. Maria pouco brincava, não conseguia passar muito tempo com uma boneca, pois sempre aparecia algo de gente grande para ela fazer. Ela também chegou a ajudar ao pai na roça. Trabalhos que exigiam força e disposição. Quando cresceu um pouco, Maria, além de cumprir com suas tarefas em casa, passou a ter mais outra tarefa, ela passou a cuidar de bebês. Algumas de suas irmãs engravidaram e tiveram filhos, a tarefa que cabia a elas, foi passada para a caçula Maria. Esta passou a cuidar dos filhos de suas irmãs. Com o tempo, a sobrecarga nas costas de Maria foi aumentando. A sua infância e adolescência pouco foi aproveitada, já que ela não tinha tempo para o lazer. Maria passou a frequentar a escola, ela tinha um sonho, mas com o tempo, esse sonho parecia cada vez mais distante. Maria era vista como uma escrava e vivia em extrema exploração, por parte de seus próprios familiares. Porém, ela era uma mulher forte. Cresceu ouvindo reclamações e queixas, mas pouco se queixou. Ela apenas obedecia e servia como de costume. O sonho de Maria era ser professora, mas ela não conseguiu alcançá-lo, porém uma de suas irmãs, conseguiu. Tornou-se professora, talvez por inveja, talvez por vocação. Maria não concluiu o ensino fundamental, ela estava adentrando numa fase de cansaço, de desistência. Quando pequena, Maria foi derrubada por um de seus irmãos, ela caiu e bateu com a cabeça. Quando maior, sua própria irmã a agrediu na cabeça com um cinto e deixou sequelas. Maria teve um ferimento na cabeça e desde o dia da agressão, passou a sofrer de crises epiléticas. Ela já vinha de uma doença pulmonar, causada por ela passar horas e horas a lavar roupas na beira do rio, até tarde da noite, na frieza. A sua vida teve mais sofrimento do que felicidade e ela pouco aproveitou a vida, pois estava ocupada com suas tarefas domésticas, que sua própria família havia lhe colocado. Com o tempo, tendo crises atrás de crises, Maria teve uma melhora. Porém, ela passou a sentir fortes dores de cabeça e sensações desagradáveis de angústia e agonia, ela sentia seu peito apertar, o mundo a sua volta ficava abalado e o caos lhe assustava e ao mesmo tempo lhe atormentava. Maria estava casada e com filhos. Outrora, ela sofreu nas mãos da família e quando se casou, ela trouxe consigo esse sofrimento para o seu casamento. A exploração, a sobrecarga e a pancada na cabeça, geraram em Maria problemas mentais. Ela passou a ficar perturbada, os traumas vieram à tona, as vontades que foram seladas, as palavras junto as queixas e reclamações vieram à tona em seu presente. Todo o seu passado sofrido veio com ela para o seu presente. Maria havia ficado presa em seu passado, em seu sofrimento. Ela perdeu a sanidade e passou a ouvir vozes. Seu esposo tentou levá-la para tratamentos, mas não estava funcionando. O grande obstáculo de Maria, agora, era ela mesma. Para sair daquela situação, ela tinha que reunir forças e ter muita disposição para sair do buraco fundo e escuro de sua própria memória. Apoio não lhe faltava, não da parte de seu marido e de seus filhos, todos eles torciam para que Maria saísse daquela situação. Ela passou a tomar remédios, porém, os remédios só a viciaram em tomá-los, mas Maria não apresentava uma melhora. A vida de Maria, que outrora era movimentada e sofrida, passou a ser parada, mas continuou sofrida. Pois em sua mente, só haviam lembranças ruins de um passado distante. A vida presente de Maria passou por algumas fases, com os remédios, ela passou a dormir mais e, quando acordada, ela se alimentava três vezes ou mais ao dia, ela também tomava banho e escovava os dentes. Porém, com o tempo, ela passou a ficar acordada à noite e só dormia de dia e a sua alimentação ficou desregulada, pois Maria pouco se alimentava. Os banhos frequentes diminuíram e ela passou também a não escovar os dentes. Ela também passou a assistir TV com mais frequência, talvez por medo, talvez por necessidade e sua vida se resumia em sair da cama para a sala para assistir TV e da sala para a cama. Seu esposo e seus filhos a incentivavam a superar toda aquela situação, porém, ela já não os ouvia. Maria só ouvia as vozes de sua cabeça. A vida de Maria continuou numa luta, entre ela e seu passado, entre ela e todos os pensamentos guardados em sua memória, entre ela consigo mesma. Maria passou por consultas, mas já não estava mais disposta a se enfrentar. Na psicologia, um paciente, quando não está mais disposto a melhorar, não melhora. Os remédios são um complemento, alguns controlam, outros impulsionam, mas só há melhora se o paciente quiser. Porém, Maria continuou na mesma até o fim de seus dias. Ela não lutou nem se moveu contra o seu problema, ela se rendeu e morreu em seu sofrimento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CONTOS & CRÔNICAS
Short StoryUma coletânea de contos e crônicas do autor Ruan Vieira.