A alegria em pessoa

9 1 4
                                    

O riso na Idade Média era proibido. Rir era sentir prazer e, de certa forma, nesta época, o prazer estava atrelado ao corpo e tudo que estava relacionado ao corpo era proibido. Mas sábios dizem "rir é o melhor remédio" e, para Juca, rir, com certeza, era um remédio e tanto. Juca era um garoto de estatura mediana, a cor da sua pele era escura e seus olhos eram castanhos claros. Ele tinha dentes consideravelmente grandes e sua arcada dentária, visualmente, não era tão perfeita assim... Porém, isso não impedia o seu riso e, Juca, ria muito... Mas muito mesmo. Ele ria tanto que seu riso contagiava a todos ao seu redor. Era inevitável. Não tinha como não rir. Todos riam. Olhavam para Juca e não se continham, não conseguiam segurar o riso. 

Assim cresceu, o garoto da Bahia, Juca Ataíde, a alegria em pessoa. Quem ficava perto dele, não ia demorar muito para rir, também não ia demorar muito no silêncio, pois ele era tagarela (como se diz por aí) e logo puxava assunto. Nessas conversas repentinas, algo sempre despertava o riso em Juca. Bastava ele ver ou ouvir graça em algum momento da conversação que logo quem estava por perto também ria. Homem, mulher, idoso, criança, adultos, jovens... Juca fazia todos rirem com seu riso. Era uma gargalhada em um volume não muito alto, não chegava a ser exagerada nem transparecia ser forçada. Era uma gargalhada em um tom aceitável e simplesmente natural. Ele, com certeza, era a alegria em pessoa. Filho único, Juca Ataíde, usufruía de toda a atenção e carinho de uma mãe doméstica e ótima professora. Maria Neide José era uma mulher exemplar e temente a Deus. Vinha de uma família protestante, era seguidora das normas e era obediente fiel. Não evitou em passar tudo o que lhe foi passado e ensinado para o seu único filho. Este, desde menino, era levado à igreja. Ele não sabia por que ia, mas ia. Pois sua mãe ia. 

Com o passar do tempo, Juca, foi ficando relutante para ir para os cultos. Ele queria poder ficar em casa ou ir visitar um amigo ou ir jogar bola na rua ou apenas assistir algum filme. Mas Maria Neide não deixava, não permitia que o filho ficasse em casa. Para ela, era seu dever levar o rapaz para a igreja. Ela acreditava que era o melhor para o filho. Mas Juca foi se revoltando, a alegria foi sendo transformada em raiva e ele foi parando de rir. Maria Neide conhecia bem o filho e, com o coração mole e do tamanho do mundo que possuía, permitiu que algumas vezes o filho ficasse em casa. Porém fez isso sustentada por condições. Juca não deixaria de ir para a igreja. Então, em uma dada semana ele ficaria em casa e em outra dada semana ele iria para a igreja. O jovem rapaz aceitou. Ficou mais tranquilo com a situação e, novamente, voltou a dar gargalhadas. Nas suas idas para a igreja, fez muita gente rir, até mesmo o pastor. Juca era a alegria em pessoa. Não restava dúvidas. Até mesmo na igreja ele contagiava o ambiente. Ninguém entendia nem procurava saber o porquê de Juca Ataíde rir tanto e fazer os outros rirem naturalmente, mas logo começaram a comentar sobre sua aparência. Disseram então que todos riam por conta da fisionomia do Juca quando este estava a naturalmente dar suas risadas. Começaram a chamá-lo de feio. Isso chegou até Juca e o feriu de tal maneira que ele deixou de rir. Mas como não rir? 

Juca havia decidido que jamais riria novamente e que ninguém o veria rir de novo. A alegria em pessoa se transformou em tristeza em pessoa e, agora, por onde Juca Ataíde passava, contagiava o ambiente com sua tristeza. Quem olhava para ele, parecia enxergar em sua face pontos costurados em sua boca, negando o riso, negando um sorriso. Ele até parou de conversar. Aquele tagarela foi deixando de falar, aquele ser risonho foi deixando de rir. Se rir era o melhor remédio. Juca estava adoecendo. Tão doente ficou por não mais rir que não resistiu à tristeza e morreu tristemente.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 08, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

CONTOS & CRÔNICASOnde histórias criam vida. Descubra agora