Capítulo Dois

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Duke Knight

O apartamento continuava exatamente igual o deixara há quatro anos. Nem uma partícula de poeira visível. Tudo impecavelmente limpo. Com certeza aquilo era obra do velho. Mandar uma empregada vir aqui e limpar a casa toda, esperando por gratidão. Não sei por que ainda me surpreendia com esse tipo de coisa, como o fato de ele não entender que detestava que invadissem minha privacidade. Preferia ter limpado tudo sozinho a ter um estranho dentro da minha casa. 

Pensando melhor, talvez ele soubesse. E exatamente por isso fez o que fez. 

É. Aquela era a opção mais provável. 

Não se dava por satisfeito em ganhar uma batalha, tinha que atacar cada ponto vulnerável. 
Inconscientemente senti minha mão se contraindo em volta da alça da mala. 

Ignorei o impulso de sair pela porta e não voltar. Não lhe daria aquele gostinho. Aquela sempre fora minha casa e nem mesmo ele iria estragar isso. Só precisava de trancas novas e quem sabe uma conversa que o lembrasse das condições para que eu assumisse aquela porcaria de emprego do qual ele tanto estufava o peito para falar. 

Caminhei para o quarto principal e joguei a mochila sobre a cama. Precisava ocupar a cabeça e a melhor forma para isso seria sair para tomar um porre com Hunter, mas aquela não era uma opção porque o infeliz não estava na cidade. Decidi, então, desfazer minha mala. Esse plano, contudo, também se evaporou assim que abri o guarda-roupa e me deparei com uma parte dele totalmente preenchida com diversos ternos pretos. Cresci vendo um desfile daquele tipo de vestimenta, por isso, só de bater os olhos sabia que eram feitos pelo mesmo alfaiate que a mais de duas décadas fazia os dele. 

Eram belas peças de roupas feitas pelo alfaiate mais caro da cidade. E eram também um lembrete silencioso de que ele estava lá, me esperando dali uma semana. 

Esfreguei a palma da mão sobre o rosto e apelei ao controle de aço que os anos em ação me ensinaram. Faltava muito pouco para eu jogar aquelas merdas exorbitantemente caras pela janela. 

Filho da mãe pretencioso. 

Bati a porta do armário com força e fui em direção à porta de saída pela qual passara há poucos minutos. 

Foda-se. Vou beber sozinho mesmo. 

Um whisky duplo com gelo. Talvez mais de um. 

Abri a porta de casa ao mesmo tempo em que as portas do elevador se abriam com um estalido característico. Imediatamente meus reflexos identificaram a possível ameaça em forma de um cachorro vindo em minha direção. Estava pronto para chutá-lo para longe quando notei que sua expressão canina não demonstrava nenhum tipo de perigo iminente, na verdade, parecia que ele estava... sorrindo. Quando chegou ao meu alcance, o sorridente canino apoiou suas patas dianteiras em minhas pernas e me olhou com expectativa. 

Fiquei sem reação. Eu gostava de cachorros. Eles são leais e muito úteis, mas o tipo de cachorro que estava acostumado era muito mais calmo do que aquele. 

O mais surpreendente, contudo, não foi cão amigável demais, mas sim a mulher que saiu do elevador pouco depois dele. Ela andava devagar, a cabeça abaixada enquanto seus dedos deslizavam pela tela de seu celular. Cabelos loiros na altura dos ombros, cintura fina e pernas deliciosas. Isso para não mencionar aquela bunda que ela rebolava em movimentos lentos, hipnotizantes e completamente inconscientes enquanto caminhava para a porta no outro extremo do corredor. Não podia ver o que ela fazia, mas presumi que a loira estava destrancando a fechadura da casa que costumava pertencer a adorável senhora Merthier. 

Pude perceber o momento exato em que ela deu por falta do cachorro. Suas costas ficaram rígidas e ela se virou em uma velocidade mais rápida do que eu esperaria para alguém tão pequeno. Seu rosto, que era outra coisa da qual ela devia ter muito orgulho, mostrou alívio ao avistar o cachorro e depois choque, confusão e alguma coisa que não consegui definir quando sua atenção pousou em mim. 

BlackbirdOnde histórias criam vida. Descubra agora