Capítulo Vinte e Três

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Gostaria de poder dizer que não reagi, que minha percepção prévia de que ele tramava algo havia sido o suficiente para me dar uma carta na manga, um trunfo para que eu saísse por cima e como o homem melhor entre nós dois.

Não foi o que aconteceu. Não foi nem de perto o que aconteceu.

Quando entendi as implicações por detrás de suas palavras, toda irritação que vinha sentindo desde o começo da porra daquele dia infernal - que vinha se acumulando desde o instante em que fui obrigado a assistir minha namorada se jogando nos braços de outro cara -, e que achava que estava no limite do que julgava ser possível, multiplicou-se. Dobrou de tamanho até que de novo me senti em um desenhinho, dessa vez, entretanto, era aquele enraivecido que soltava fumaça pelos ouvidos. Talvez a única coisa que me diferenciava desse ser fictício, era o fato de que expressávamos nossa raiva de maneiras diferentes. Ao invés das cuspir fogo, entorpecia-me. Senti todo meu rosto se contrair até não restar absolutamente nada, nenhuma única emoção caso precisasse fazer o inominável. 

Nada além da vontade de redirecionar minha raiva para que pudesse fazer uso dela da melhor maneira possível, da maneira mais letal necessária. 

Nem mesmo reconheci minha própria voz ao voltar a falar:

- Está insinuado que estou tentando proteger alguma atividade ilegal? Que a empresa da minha família está envolvida em alguma merda de algum crime e que por isso eu estou na defensiva, como você colocou? Acha que estamos vendendo armas para a porra de terroristas, é isso?

Esqueça a analogia sobre uma agulha caindo no chão, o ar pesou tanto que podia ouvir a respiração pesada dos outros ocupantes da sala. Sabia que eles deveriam estar horrorizados por meu comportamento brutalmente vulgar, porém não podia fazer outra coisa senão manter minha atenção em meu alvo, pronto para atacar. 

Ah! E como eu queria me livrar daquele encosto. Não poderia ser nada muito definitivo, pois Rave jamais me perdoaria. Só um soco para quebrar todos os seus dentes e lhe impedir de falar ininterruptamente como ele fazia todo o maldito tempo. 

É, aquela definitivamente era uma ideia interessante. Perdido que estava encarando o alvo e sua expressão meio chocada, não percebi minha namorada se levantando até que ela estivesse entre nós dois. 

- Amor? 

Levantei a cabeça para encará-la, seus olhos violeta brilhando de apreensão. De novo foi sua voz suave que me trouxe de volta para realidade. Foi como apertar um interruptor e a razão voltou em um estalo. Relaxei os punhos cerrados e já tinha uma desculpa na ponta da língua, mas John Reid foi mais rápido e felizmente não para me expulsar de sua casa:

- Acho que estamos todos cansados.Talvez um pouco no limite. Melhor irmos dormir antes que alguém diga alguma coisa que não possa ser esquecida. 

- Excelente ideia! 

A exclamação animada de Avalon foi a última coisa que ouvi antes de deixar, apaticamente, que minha loira me puxasse escada assim. A porta se fechando com força e depois o barulho da chave quase me fizeram pular no lugar e fechei os olhos com pesar, já imaginando a merda que estava prestes a bater no ventilador.

- Que diabos, Knight? - praticamente gritou, dando a volta para fincar na minha frente. - Que porra foi aquela? Você está esquisito desde hoje de manhã e deixei que ficasse todo estressadinho. Pensei que o tempo iria amaçar essa sua TPM ridícula, mas só piorou. Olha - respirou fundo e passou a mão sobre o rosto. - Se você quer ficar irritado por nenhum motivo racional e passar o dia inteiro de saco cheio, isso é problema seu. Nem eu - ergueu o dedo em riste e o sacudiu - nem ninguém da minha família é obrigado a aguentar esse comportamento ridículo.

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