Capítulo Oito

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Sabia que aquela tinha sido uma má ideia. Na verdade, desde o momento que saí do meu apartamento para cruzar o corredor e aparecer no horário combinado, eu sabia que aquela era uma péssima, péssima ideia. Deveria ter ouvido meus instintos, afinal eles haviam me afirmado corretamente que o dia seria uma porcaria. Meus pacientes foram especialmente difíceis de lidar, minha secretária adolescente ligou dizendo que tinha tido mais uma emergência - o que poderia ser facilmente traduzida como uma briga com seu namorado.

Talvez devesse considerar a possibilidade de procurar alguma outra pessoa para o cargo, mas, toda vez que essa ideia se afirmava, descartava-a tão rápido quanto surgia. Charlotte precisava do trabalho. Não conseguia nem imaginar o quão difícil deveria ser ter que se preocupar com os débitos estudantis e eu realmente não queria ser a culpada por ela ser obrigada a abandonar a faculdade. Tive sorte de ter minha avó para me ajudar, contudo entendia que a maioria esmagadora não tinha essa opção. Então, quando ela aprontava uma desfeita dessas, eu engolia o desgosto e fazia o meu trabalho e o dela. Normalmente aquilo não era tão complicado, hoje, todavia, havia sido quase impossível. Parecia que metade da cidade queria marcar uma consulta pelo telefone e isso sem contar os dois pacientes que apareceram ser ter hora marcada, implorando por um tempo. Não podia simplesmente mandá-los voltar outro dia porque ambos tinham sérios problemas emocionais e não queria nem imaginar como eles reagiriam se a angústia que estavam sentindo fosse ainda mais reprimida. Eles não escolhiam quando se sentir assim e eu não podia escolher quando ajudá-los. Meu horário de almoço, então, havia sido usado para ouvi-los e meu estômago teve que se contentar com uma barrinha de cereal que deixava no fundo da gaveta de minha mesa para o lanche da tarde. E, como era Charlotte quem saía para comprar nosso lanche vespertino, havia ficado sem aquilo também.

Então seria um entendimento dizer que no final do meu turno eu estava com a cabeça rodando tanto de fome quanto da quantidade de informações que havia absorvido. Pegar o metrô para casa foi tão excruciante como sempre era na hora do rush e o caminho do parque pareceu uma longa e penosa caminhada sobre brasas. Nem mesmo minha linda sandália azul de salto estava cooperando. A única parte iluminada daquele dia foi a felicidade de Cookie quando passei pela porta. Infelizmente não pude tomar mais do que dois minutinhos acariciando meu bebê porque logo tive que pular para uma chuveirada de três minutos, trocar de roupa, beber um copo d'água e comer alguns cookies no caminho para saída. Tudo friamente cronometrado para não chegar atrasada na casa do vizinho e dar-lhe um motivo extra para me olhar por sobre aqueles olhos azuis gelados de maneira superior.

Bem, quase tudo foi cronometrado. O tombo que levei colocando o sapato não estava nos planos - ao menos nos meus planos, porque deveria estar na cartilha de alguma força cósmica que estava se esforçando bastante para que meu dia fosse uma merda. Nem tentei colocar minhas lentes de contato. Com a sorte que estava hoje provavelmente acabaria furando meu olho ou algo parecido. Coloquei, então, meus óculos pretos e segui para a porta do outro lado do corredor. Foi quando levantei a mão e bati na madeira que o primeiro pressentimento de que aquilo não era uma boa ideia surgiu. Knight abriu a porta com uma expressão tão feroz que se já não estivesse tão exausta, teria dado um passo para trás de susto. O fato de ele estar sem camisa o deixava ainda mais selvagem.

Mesmo cansada pude perceber que aquela era uma visão deliciosa.

Podia ouvir do canto da minha mente ele falar comigo, mas estava fascinada demais para por seus músculos para prestar atenção em qualquer outra coisa, inclusive em ter o pudor de ser discreta para isso. Meus olhos, como parecia acontecer a cada vez que ele estava sem camisa, não me obedeceram e descaradamente tentavam memorizar cada pedaço de pele descoberta. Minha atenção queimou mais intensamente, contudo, sobre a tinta preta ali.

Definitivamente uma tatuagem sobre parte do ombro. Não conseguia identificar, entretanto o que o desenho significava. Um pássaro talvez...

Franzi o cenho.

BlackbirdOnde histórias criam vida. Descubra agora