Chamas

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créditos a fanart: @somm1116

—NÃO É MASSINHA!

Ele fechou a porta com força antes de me dar a chance de explicar que era argila, e que também não era só argila, era Arte.

Mas provavelmente um tolo que nem ele não sabia dar valor a arte, muito menos reconhecer uma valiosa tal quanto a minha. Fui esculpindo cuidadosamente os detalhes do meu pássaro, traços refinados e atenciosamente reparados por olhos minuciosos de um artista qualificado porém não reconhecido, eu.

Minhas costas ainda davam algumas pontadas de dor, apesar que eu dormi a maior parte da noite no quarto, as 2 horas que passei no colchão rígido e desconfortável da sala foram significativos a uma coluna sensível que nem a minha.

Suspirei fundo, me deitando no chão gelado da sala que estava meio sujo com a argila, já que uma arte sem resquícios é uma arte inválida. Aquele apartamento vazio apenas comigo nele era meio chato, silencioso demais. Não que eu precisasse de alguém lá, se esse alguém fosse o chato do Sasori eu preferia morrer sozinho e esquecido naquele imóvel.

Ele me enchia a paciência, aquela cara de tédio corrompida pela quietude, era tão calmo e silencioso que me dava nos nervos, sentia vontade de sacudí-lo e mandar por um sorriso no rosto, abrir mais aqueles olhos caídos, admirar mais o dom das artes e dos detalhes que compõem o mundo. Mas ele esbanjava desinteresse, bastava observar suas feições.

Apesar de que de uma coisa eu não podia falar mal, ele era um tanto que bonito.

Mas quem liga pra isso? De que adianta ser bonito e chamar minha arte de massinha? Que tolo.

Incomodado com o silêncio, coloquei música alta pra tocar, um pop bem animado. Agora sim.

Fui dançando pelo apartamento, peguei um nescauzinho na geladeira, eles eram do Sasori, ele provavelmente iria brigar mas eu já nem me importava, ele só late mas não morde.

Amarrei meu cabelo num coque, eu estava suando de tanto dançar, cantando alto e parando vez ou outra para dar alguns toques na minha escultura, mais tarde eu a levaria numa exposição de Artes no shopping central. Bem... não vou ganhar em questões financeiras nada por isso, mas terei o deleite de ver o deslumbre das pessoas admirando minha Arte.

Olhei no relógio, eram 17:30 da tarde, Sasori ainda não tinha voltado desde as 8 da manhã, mas não me importei com isso, afinal ele tinha as chaves. Tomei um banho, vesti um cropped preto, calça jeans e o meu típico all star amarelo surrado, amarrei uma parte do cabelo, deixando minha franja cair, um delineado e pronto.

Coloquei a escultura na mochila, peguei meu celular e uns 2 reais para tomar uma casquinha. No instante em que eu ia abrir a porta, o trinco desceu, e por ela entrou Sasori.

Ele me encarou com uma cara confusa por alguns segundos, olhou de cima a baixo, logo também olhando o chão do apartamento sujo por argila.

—Vai pra onde? — sorri vitorioso ao ouvir sua pergunta, finalmente podendo retribuir a patada que eu levei hoje cedo.

Não te interessa. — mostrei a língua, ele mostrou o dedo do meio e foi logo reclamando da sujeira que eu havia deixado, apenas acenei, lancei um beijo no ar e desci as escadas.

Chato e rabugento, argh.

Peguei um ônibus até o shopping, fui escutando a mesma música que eu estava ouvindo no apartamento até chegar no destino.

—Boa... noite? — olhei o relógio antes de confirmar qual termo eu deveria usar.

—Atrasado. 2 minutos atrasado. — revirei os olhos para o de cabelos negros no instante em que ele se virou para apontar onde eu deveria colocar a escultura. —Seu nome?

—Deidara. — respondi observando-o anotar meu nome num caderno do lado de uns garranchos com números, algo que eu não entendia, só vi na parte superior "Itachi — supervisor de exposições culturais de Londres"

Grande merda.

—Não interrompa as exposições, apenas coloque lá, interfira apenas em casos de questionamentos, proibido comer aqui, falar alto... — pelo visto aquele era outro chatão, mais chato que Sasori, ficava dando ordem atrás de ordem como se eu fosse um não civilizado que precisasse ouvir um ser que supostamente se acha superior a mim me ditar regras básicas de comportamento.

Após um século dele falando coisas que eu mal escutei, finalmente ajeitou o seu terno ridículo e se preparou para sair.

—Vou dar uma verificada na equipe de bombeiros do shopping, volto já pra fiscalizar a exposição, aproveite.

Revirei os olhos outra vez quando ele deu as costas, quem ele pensava que era pra ficar me dando ordens?

Ajeitei minha escultura no palanque, estava linda, tinham algumas luzes amarelas apontadas para ela, deixando-a ainda mais deslumbrante. Pessoas iam e vinham, paravam para ver minha obra, elogiavam, perguntavam, tiravam fotos, aquilo tudo não tinha preço que pagasse. Era o que me deixava feliz, ter sua arte valorizada era a minha razão de viver.

E era por isso que eu estava em Londres.

A Suiça era meu país, um país montanhoso, pedras e um clima temperado habitava por lá. Eu, neto do presidente, Oonoki. Para muitos isso seria privilégio, mas para mim era castigo.

Desde sempre meu interesse por artes se despertou, indo aos 4 anos num Museu, meus olhos brilhavam ao ver aquele mundo cheio de significado, poesia, história, cor e beleza efêmera que se manifestava num momento de esplendor enquanto admirava, Kurotsuchi ao meu lado chorava com medo dos anjos renascentistas das obras.

Talvez por isso que ela fosse sua neta preferida, é que minha prima sempre se interessou mais por politica, se formou em administração e direito para ajudar meu avô nas gestões nacionais, enquanto eu me formei em Artes Visuais na mais renomeada Universidade da Suiça, porém aquilo foi insignificante para ele.

Sempre fui tratado como o estorvo da família, o desviado, desinteressado em fins crescentes e financeiros. "Como você vai se sustentar? Das artes? Acha mesmo que isso dá certo?"

Aos meus 21 anos vim para Londres, finalmente podendo me livrar das cordas que me amarravam presas a maioridade. Inglaterra era o país perfeito, o país que mais valorizava suas artes e sua história, um pais rico de cultura e um povo sábio.

Meu único erro foi ter alugado aquele bendito apartamento no mesmo dia e hora que Sasori. Minha conta poupança a qual eu depositava minha mesada era a que me sustentava atualmente, mas eu pretendia me livrar daquele dinheiro e depender do meu próprio, conquistado com o meu trabalho.

Desde que cheguei em Londres percebi os diversos anúncios de exposições culturais nas praças e shoppings, aquilo me atraiu, eu não iria ganhar nada, mas mesmo assim era uma oportunidade de mostrar meu talento a um povo que saberia valorizá-lo.

Comprei uma casquinha, meus pés doíam de ficar em pé naquela exposição, então dei uma pausa pra sentar e tomar um sorvete. Estava quase no fim da casquinha, quando senti um cheiro forte de fogo, uma fumaça cinzenta tomou o local e pessoas corriam para a saída.

Droga.

Corri até onde vinha a fumaça, senti meu coração se despedaçar por inteiro vendo a cena. A exposição de artes a qual eu tanto trabalhei na escultura estava em chamas. Completamente em chamas.

Fiquei imóvel em frente ao fogo, eu queria entrar lá e salvar minha arte, um desespero tomou conta de mim, num breve impulso eu quis ir, mas senti meu corpo ser afastado para trás por um bombeiro.

A fumaça e o cheiro forte de fogo faziam meus olhos arderem, meus pulmões queimavam, mas eu só conseguia me lamentar profundamente por perder minha obra no meio das chamas que eu não pude evitar e nem ao menos salvar.

Apenas peguei na mão do bombeiro e deixei-o me guiar até a saída de emergência enquanto os outros iam apagar as chamas, o sistema de segurança do shopping acionou os jatos de água automáticos pelo teto, fazendo-me ficar encharcado.

Eu era realmente um grande azarado.

Como eu era antes de você - SasodeiOnde histórias criam vida. Descubra agora