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Eu te encontrei em uma sexta-feira de inverno em um local próximo a linha do Equador. O inverno não era frio e o calor também vinha de dentro. Eu tive meus anseios quando chegamos na hora de encarar nossos desejos, mas você era como um relampâgo que olhamos hipnotizada esperando ouvir o raio eletrizante que causa tamanha iluminação.
Mas como tempestade, em sua companhia pude sentir o tempo fechar e a escuridão preencher os vazios dos espaços ao nosso redor. E sem poder enxergar, pude sentir. O calor do ambiente fizeram minhas mãos suarem, enquanto pude ouvir seus passos se aproximarem com um aroma agradável de licor de frutas que pude experimentar antes de prová-lo diretamente de seus lábios. A sexta-feira ainda não foi o suficiente para que eu me cansasse do seu sabor, da tensão causada pela sua imprevisibilidade e do segredo que era carregar você dentro de mim. A sua tempestade de estio em que as gotas eram quentes e conseguiam fazer chover onde você estivesse, foram suficientes para alagar a pequena sala que estávamos. E por mais que eu tentasse, não pude me secar durante o resto da noite, porque estava totalmente imersa na lembrança. Eu tive medo de me afogar em seu copo, em você ou onde fizemos chover.
Sábado provei o amargo do arrependimento, pois sentia pertencer a alguém que não era você. E não era verdade, porque o sabor do licor de frutas não saía da língua e as roupas apesar de secas, o corpo ainda pingava. A garganta arranhou e eu quis fugir das memórias do dia anterior para que a culpa não me consumisse, mas era inevitável o nosso encontro, pois o local próximo a linha do Equador por sinal era uma cidade de poucas ruas para desencontros.
Quando a noite caiu, fui para o meio das matas do sertão me perfumar com o aroma dos capins e das flores para dançar durante toda festividade que celebra a despedida dos santos padroeiros. Em meio aos balões e lâmpadas que decoram em fileira as bandeirolas, a lua iluminava a banda e a multidão se misturava entre balanceios e pulos discretos. Em um certo momento, pude sentir o aroma do petricor, aquele característico que sentimos logo após uma chuva repentina que molha a grama. Era você, chegando de passos leves e com a simpatia carregando sorrisos infantis. Meus ouvidos foram abafados, como se a música tivesse parado para te ouvir caminhar entre a multidão e me encontrar.
Desde sua chegada, o resto da noite se tornou um borrão em minha memória perdida nas horas seguintes do nosso encontro. Não me lembro de como cheguei até você e como voltei para casa, foi como um daqueles momentos em que mergulhamos nas profundezas de um rio e nossos ouvidos só conseguem ouvir o silêncio enquanto somos pressionados pela água e nossa visão embaça mesmo quando apertamos nossos olhos para focar no que está em nossa frente. Encostamos em uma casinha de taipa sem iluminação, sem multidão e com um som baixinho que a banda insistia em tocar ao fundo. A lembrança visual que possuo desse dia é demasiada abstrata, entretanto não me impede de visitar essa noite e sentir o calor de suas mãos em meu corpo mais uma vez, de experimentar a maratona de borboletas no meu estômago ao ouvir sua voz próxima ao meu pescoço e sorrir quando deixo minha mente criar outras possibilidades do que poderiamos ter vivido.
Meus olhos marejam ao pensar nisso, na possibilidade do que não aconteceu. Se torna insuportável cogitar em escrever minhas fantasias e suposições sobre nós, já é doloroso escrever sobre o que aconteceu e que não passou de um final de semana, mas note que ainda não cheguei ao domingo.
Confesso que não gostaria de voltar ao domingo nem em lembrança. Domingos costumam ser aqueles dias que todos estamos cansados, entediados e estamos pensando na semana que termina, assim domingo acaba também sendo sinônimo de fim, o que não foi diferente para nós. E eu gostaria que tivesse sido. Escrever sobre você me incomoda como caminhar descalço na areia quente da praia, que no fim da caminhada sei que encontrarei o mar. É um caminho torturante que me leva ao prazer que é lembrar de você.
O corpo ainda doía da noite anterior quando o sol de domingo amanheceu, pude sentir dores nos pés por conta das botas que os apertaram sem que eu notasse, pois para mim era como se eu tivesse flutuado a noite inteira. E novamente os momentos seguintes ao meu despertar foram apagados de minhas recordações e só volto a viver no final da tarde quando te encontro novamente. E dentro de mim algo muda quando percebo que a tempestade que você carrega não me assusta mais, mesmo que ela me deixe incapaz de ser a mesma outra vez e me impeça de me entregar outra vez a garoas que não chegam perto da abundância e da umidade que você me ofereceu.
Eu não precisei dizer nada para que você me tirasse do chão e me levasse com você onde só existisse nós. Aceleramos e entramos no oceano outra vez, onde os vidros puderam embaçar com o calor interno da nossa respiração ofegante e as gotas se formaram como se chovesse por dentro. E mais uma vez fizemos chover.
E prefiro não escrever sobre o nosso fim, quero que em registro a gente continue existindo em minhas lembranças. E que você também se lembre.
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quando amei por dois
Poetryquando amei por dois é um conjunto de cartas sobre a pluralidade do amor e a casualidade que se torna cada vez mais desconfortável na vida da personagem Amara, que em seus encontros efêmeros consegue encontrar os sintomas românticos do amor, mesmo q...