quando amei por dois

2. água com açúcar

2,

Eu sinto que diferente dos anteriores, você me amou além do muito. Em nenhum momento que estive com você duvidei da sua vontade de me manter ao seu lado, mesmo que você não dissesse em alto e bom tom. Eu sempre tive muito o que dizer, carreguei sentimentos do mundo inteiro na minha pequena mala de mão quando me coloquei de pé sozinha em uma estrada que fui guiada somente pelas raízes das árvores e o cantar dos sabiás. E mesmo com tanto o que dizer e o que sentir, eu procurei entre espaços e ouvidos que coubessem minhas palavras e por coincidência encontrei você.

Não foi simples como descrevi, aliás, a realidade foi muito complicada e por muito tempo indescritível, talvez até seja algo que eu não devesse escrever sobre. Eu percebo que a minha dificuldade está nessa situação indefinida que nos deixamos, isolados em algum lugar da lembrança e perdidos em meio a distância em que a realidade nos coloca. Eu gostaria de ter escrito antes sobre você e ter dito tudo o que tinha para dizer, mas eu queria deixar que você vivesse sem intervenção do meu ponto de vista egoísta. Me atrever a falar sobre os últimos anos seria matar uma parte real de você, pois parte do que vivemos se assemelha mais a devaneios meus que eu acreditava que você era.

Eu parti da estrada onde te conheci, porque eu não a pertencia e estava somente de passagem durante aquele verão. Como eram doces os meus dias juvenis, meu passatempo preferido era lembrar o sabor de hortelã dos poucos beijos que você me deu durante aqueles dias de janeiro que foram o suficiente para que você fosse protagonista dos meus sonhos sem sentido e me faziam sorrir quando abria os olhos pela manhã. Por muito tempo você foi assim para mim, um sonho infantil que me acordava na alvorada para me lembrar de que você não estava perto.

Mas conforme os anos passaram, eu passei a encarar nossa situação com outra perspectiva. Encontrar você esporadicamente era algo previsto, mas incerto. Era sempre uma dúvida se te encontraria com um outro alguém ou se seu interesse havia se esvaído, mas sempre para a minha surpresa você estava ali como se o tempo tivesse parado quando nos separávamos todos os anos. Dizer que o amor era altruísta seria uma completa mentira, eu te amava da forma mais egoísta possível. Eu te amava pelo meu próprio bem-estar, pela minha autoestima, pelo meu desejo de falar, sentir livremente e ser ouvida. E em meu egoísmo, deixei você me amar além do que eu poderia sentir pelo que era real de você. Eu gostava da ideia de ter você pelo menos uma vez na vida.

O meu amor se tornou tão egoísta que eu amava sua devoção por mim. Eu me tornei uma nova pessoa gradativamente a cada encontro entre nós, minha obsessão por ser amada pela primeira vez era de perceber que em seus olhos eu era maior do que eu realmente sou. Eu olhava profundamente em seus olhos só para me enxergar no reflexo de sua pupila dilatada e admirar meu rosto, mas quando eu voltava ao meu ninho percebia que meu Narciso interior era tão falso que me abandonava quando eu tinha que me enxergar com meus próprios olhos.

Em meio inúmeros espinhos da rosa que cultivamos, seu amor foi o mais doce que já provei. A razão pela qual me encontro sozinha não advém somente do meu medo de compromisso, da minha autoestima fragilizada ou do meu coração perturbado, mas sim porque você me mostrou o que é ser amada e eu não me arrisco aceitar menos do que um dia você me ofereceu, mesmo que eu não fosse inteiramente sua. Querido, o seu cuidado comigo e sua sutileza de demonstrar o que sentia me faz pensar que talvez um dia alguém pudesse me amar dessa maneira. Lembrar nossa caminhada na praia, nossas divisões de castanhas, beijos roubados e juras de amor me ensinam mais do que palavras um dia poderão, olhar para trás e recordar dos sacrifícios que você fez para me ter ao seu lado me diz muito sobre o que é amor. O seu amor me ensinou o que é amar.