Capítulo 1 - Pétalas em um deserto

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Pétalas em um deserto

As duas luas no céu de Op iluminavam à noite, dando outro ar para o ambiente que sofrera com muitas mudanças nos últimos anéis, em virtude da Terceira Grande Queda. As explorações no Norte do continente ainda se mostravam lucrativas e perigosas, chamando a atenção de aventureiros e exploradores.

Em meio aquela paisagem, o estranho grupo formado por velhos amigos e novos companheiros acampavam. Com a fogueira ardendo, tentando aquecer e proteger o local de descanso, todos aproveitavam a calmaria após um longo dia de batalhas.

Decidiram por revezar os turnos de guarda, e, neste momento, era a vez de Alvys ficar acordada. A petalin, sentada ao lado das chamas, olhava para o céu, observando as estrelas e os dois grandes satélites. Pensava em como este mundo vasto poderia oferecer, a cada passo, uma surpresa, como fora mais cedo.

Jamais imaginou estar se sentindo tão atrelada a estes novos companheiros, nem a esta jornada, principalmente por ainda carregar aquele sentimento de vir de outro lugar. Além disso, havia tantas coisas que ainda não foram ditas, que tudo se acumulava dentro de si, aumentando o peso que carregava.

Avaliando todas as dificuldades que passou, o que sofrera naquele plano, tudo eram marcas de sua trajetória. Mas aquela parte, por pequena que fosse, ainda se perguntava "Por que? Por que tentar tanto, e ainda sim, não ser aceita?".

O conflito interno sempre ia e vinha, mas o ritmo de como os acontecimentos se desenrolaram no dia de hoje, fizeram com que gritassem mais alto em seu interior, sobrepondo os demais pensamentos.

Levantou-se balançando a cabeça, tentando espantar as ideias que lhe acometiam, e começou a caminhar. Não se afastou demais do acampamento, indo em direção de uma rocha que se erguia do solo, sentando sobre ela e olhando a paisagem.

Pensara em como Nadja realmente era uma incrível companhia, durante toda a viagem pela região Norte do mundo. Criou fortes laços com ela, e se sentia bem ao seu lado. Mas a visão recente que tivera de Kain e de, principalmente Piedade, era a que mais chamava sua atenção.

A cerimônia que a amiga fez mais cedo com as cinzas, pouco antes de deitar, foi bela e ao mesmo tempo melancólica. Não sabia ainda tudo que ela trazia consigo, nem o que tinha por trás daquele processo de pintura corporal, mas sentia as boas intenções que a regiam. E se identificava, em algum nível.

E como se pudesse ouvir pensamentos, um grito de Piedade ecoou na noite, vindo do acampamento. Alvys, agora alerta, desceu da pedra e correu para perto da companheira, se agachando e avaliando a situação, percebendo em seguida que a companheira estava tendo pesadelos.

Olhou em volta, procurando ver se os demais haviam sido acordados, mas pelo visto, apenas ela escutara os lamentos da sombria.

Começava a ficar preocupada, afinal, a amiga não parava de rolar e aparentava sofrer. Não sabia o que fazer para ajudá-la. Pensara em tentar acordá-la ou segurar seus ombros para não se mover tanto, mas tinha receio de que fizesse mais mal do que bem.

Continuava encarando o semblante de sofrimento de Piedade. Esticou o braço para tocar em seu rosto, e quando olhou para sua mão, uma ideia passou por sua cabeça.

Respirou fundo e se ajeitou ao lado do corpo da companheira, juntando ambas as mãos. Concentrou-se por alguns momentos e então, as abriu em um rápido movimento, espalhando pétalas rosas pelo ar da noite.

Aqueles pequenos pontos rosados flutuavam no ar, criando um ambiente que cintilava como o brilho das estrelas que compunham aquele céu noturno. Conforme balançavam ao vento, começavam a emitir um leve aroma. A técnica transformou todo o entorno do acampamento em uma zona de tranquilidade e serenidade.

Observou suas pétalas por mais alguns instantes e encarou novamente o rosto de Piedade, e pouco a pouco, via suas feições mudando e suavizando, até estar completamente em paz e serena.

Alvys continuou perto da sombria por mais algum tempo. Percebendo que ainda tinha seu turno de guarda, começou a se levantar. Porém, pouco antes de o fazer, olhou para a colega e deitou-se sobre ela, lhe dando um beijo de boa noite na bochecha, próximo a um de seus belos desenhos.

Pôs-se de pé e então, se dirigiu para a pedra que estivera a algum tempo atrás. E enquanto caminhava, pensava no que acabara de fazer. Estava preocupada com o próximo. E não com apenas um, mas com vários. E isso era algo. Algo que a diferenciava daquelas que a julgavam diferente.

Conforme se movia, cantarolava uma canção, movendo as mãos ao mesmo tempo em que as pétalas brilhavam e dançavam no ar ao seu ritmo. Sentia que estava fazendo a coisa certa, estando com aquele grupo, pois ali, era apenas mais uma companheira, não algo estranho. E Piedade a fizeram ter certeza disso, com suas palavras.

E foi ali, sentada em uma rocha, em um plano que não era o seu, que decidira, dentro de si, pouco a pouco, que não seria mais uma a definhar neste mundo. Gostassem ou não, ela estava ali, e faria das dificuldades, motivos para continuar.

Seria uma flor lutando no deserto, desabrochando com sua própria força, sendo bela a sua maneira e impiedosa quando necessária, igual aquela que admirava, dormindo ao longe.

E se este plano não gostasse, fodasse. Afinal, haviam aqueles que a aceitavam pelo que era.

Uma Flor na EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora