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×× Marcelly ××

Aquilo só podia ser uma brincadeira de muito mal gosto, não conseguia encontrar uma melhor definição para uma ação desse nível. O que os Amorins possuíam na cabeça? Com certeza não era um cérebro em perfeito estado de conservação capaz de raciocinar antes de qualquer burrada. Isso estava fora de cogitação.

Todos entendemos o tamanho da dor que os abateu, até porque passamos pelo mesmo. Nada pode substituir a perda de uma filha, principalmente se esta for a sua caçula, aquela que todos ao redor só pensavam em ver bem, em proteger. Mas nada justifica o que decidiram fazer.

—  Vocês não podem fazer isso, perderam o pouco de juízo que ainda possuíam?! — o alto tom na voz de Susan me fez dar um passo para trás imediatamente. Sua fúria era grande, raramente a via nesse estado. Na verdade, a última vez que realmente chegou a esse nível, ainda estávamos no colégio. Ocorreu quando um babaca metido a playboy tentou tirar proveito da inocência de Ellen. Ele pagou caro por aquilo.

—  Abaixe a voz para se dirigir a nós — a serenidade na voz de seu pai era notável, sempre calmo, não importava as circunstâncias. E mesmo que concordasse com a opinião da filha, não sairia do lado da esposa.

—  Abaixar a minha voz? — repetindo a fala do pai, Su riu alto, a ironia presente em cada uma de suas expressões era notável —  Pai, o senhor melhor do que ninguém sabe que estou certa, não podem levar isso adiante. É um grande erro.

—  Um grande erro Susan, foi aceitar que aquela garota se aproximasse da sua irmã daquela forma — não foram ditas a mim, mas senti o peso das palavras de dona Júlia, a culpa que a mesma não media esforços para jogar sobre os ombros de Alana. A conhecia o suficiente para saber que seria quase impossível fazê-la compreender que a morena cacheada não poderia receber sobre si, acusações em um nível tão alto, não quando Ellen partiu deixando claro que jamais aceitaria que a esposa carregasse tamanho peso consigo, pois se tivesse sido ela em tal posição, teria feito exatamente a mesma coisa, não mudaria sequer uma vírgula em toda a história. Faria de tudo para manter a felicidade do momento nos olhos de quem tanto amava.

—  Se não fosse por ela mãe, a Ellen teria partido dessa sem saber o que é se apaixonar de verdade, sem conhecer o verdadeiro significado do que é amar — com um sorriso nostálgico, fixou seu olhar no da Amorim mais velha —  Se elas não tivessem tido essa oportunidade, vocês não teriam sido avós, não teriam nada além de fotografias para se lembrar da minha irmã — com os olhos tomados pela umidade, Su deixou seu olhar pender sobre o retrato na mesa de centro presente naquela sala, onde Ellen sorria largo ao ser presa em um forte abraço entre a gente —  Ao invés de tentar tirar dela a única coisa que está realmente a deixando firme mãe, a Sra deveria agradecê-la por ter feito da sua caçula a pessoa mais feliz no mundo enquanto pôde — a essa altura, dona Júlia não possuía mais palavras para retrucar a filha mais velha, não sabia mais o que dizer, estava sem argumentos. Então deixando que o silêncio falasse por si, se limitou a dar as costas seguindo direção a escada, provavelmente na intenção de subir para seu quarto, ou até mesmo para o quarto que até o momento mantinha guardado as coisas pertencentes a Ellen —  Fugir não vai trazer ela de volta, e garanto que causar o sofrimento de quem ela amou mais do que a si mesma, também não irá ajudar com isso!

—  Chega Su, não precisa pegar tão pesado — vendo que dona Júlia parou imediatamente, pedi ao deixar a mão sobre seu ombro.

—  É só a realidade Elly, e todos precisam entender isso — relatou ganhando a completa atenção de sua mãe, que dedicou seu olhar unicamente sobre a filha ainda sem dizer nada. A indiferença em seu semblante era nova para mim. Estava claro que a mesma não se importava com nada do que Su lhe dizia, não iria mudar de ideia quanto a decisão já tomada —  Se não desistir dessa ideia idiota, saiba que testemunharei a favor de Alana, da mesma forma que todos os que convivem com ela.

—  Não seria capaz de ir contra mim no tribunal — enfim voltou a se pronunciar, e é uma pena que seja apenas para desafiar a posição de Susan.

—  Se insistir nisso, estarei apoiando o lado da minha cunhada — tão firme quanto sempre agiu para o bem daqueles que ama, disse tomando posse de seu celular, pois um chamado havia sido feito —  Minha sobrinha já perdeu uma mãe, não precisa perder a outra por uma ação egocêntrica da avó — poderia estar errada, mas depois dessa última fala, dona Júlia pareceu pensar —  Espero que o senhor aja de forma correta pai, e não apenas para agradar a mamãe.

—  Vamos logo Su, estão precisando da gente — apressei ao receber uma segunda mensagem em nosso grupo, agora sendo de Rodinei, o qual acaba sempre sendo o mais dramático, e diante a situação que ele descreveu, torcia mesmo para que fosse apenas um exagero, nada mais além disso.

Nossa saída de sua residência foi rápida, nem mesmo nos preocupamos em ceder um até logo para seus pais. Pois a sincronia da mensagem dos rapazes não nos permitiu agir com a educação que recebemos durante toda a nossa criação, ao menos não dessa vez. Chegar com urgência ao apartamento de Alana era tudo o importava no momento.

—  Acha que isso tem haver com a idiotice de mamãe? — jogou a questão assim que pôs seu carro em rápido movimento, e pude sentir o pesar em suas palavras. Não era fácil a situação em que minha melhor amiga se encontrava.

Ter que escolher entre a mãe e a cunhada não deveria ser uma opção, mas sabia das consequências, de como uma ação dessas poderia destruir tudo o que estamos fazendo até mesmo o impossível para manter erguido. Não só por causa de uma promessa, mas também pelo fato de amarmos aquela pirralha. Antes de tudo isso, éramos uma família. Sendo assim, fosse por Ellen ou não, iríamos sim dar o nosso apoio, não importava o que fosse custar, iríamos mantê-la na linha. Dessa forma, mesmo que fosse gostar de lhe ceder uma resposta diferente para tal pergunta, não era algo possível, principalmente tendo a certeza de que a mesma já possuía sua própria conceituação.

—  Não posso afirmar Su, mas as chances são muito grandes — deixei que as palavras saíssem de forma calma, que não passasse tanto peso para os seus ombros.

O nosso percurso não era assim tão longo, tão pouco deveria ser demorado diante as atuais circunstâncias, e por isso, dentro da metade do tempo estabelecido pelas leis de trânsito, já estávamos deixando o carro estacionado no lugar de sempre e pegando o elevador até o andar do apartamento da Dos Santos mais nova, onde mal chegamos e já fomos surpreendidas por uma Alana brincalhona com Alice em meio aos seus braços, correndo de um lado para o outro apenas para tirar várias gargalhadas da criança em seu colo.

Foi inevitável não abrir um largo sorriso para tal cena, pois desde o velório não a via tão alegre, e isso já faz quase duas semanas completas, era tempo demais para falta de um simples sorriso. Entre todos nós aqui, não há quem critique a obviedade de que Alana é quem mais merece reencontrar sua felicidade, a começar por não ter que ser obrigada a lutar pela guarda da filha. Mas se for algo necessário, estaremos todos ao seu lado, fazendo do pedido de dona Júlia o mais dispensável possível, como se sua existência fosse uma afronta ao próprio tribunal. Tirar a pequena Alice de sua presença é algo que não irá acontecer, ao menos não no que depender da gente.

—  Ei, meninas — se aproximou sem deixar de sorrir ao segurar a filha em seu pescoço —  Dá um oi para as madrinhas amor — seu pedido não deixava de ser engraçado, mesmo sendo um incentivo para que a pequena pronunciasse suas primeiras palavras o quanto antes, o que poderia dar certo em algum momento, pois a mesma sempre sorria largo para o pedido da mãe.

—  Vem Ali, vamos comer algo — Su comentou ao tomar a sobrinha nos braços, logo depois de deixar um rápido beijo na bochecha de Alana —  Vocês dois venham comigo, precisamos conversar — a risada de Alana preencheu todo o espaço, pois era óbvio que Su estava pronta para dar a bronca do século.

—  Como você está pirralha? — perguntei ao ficarmos apenas nós duas ali, e diante seu suspiro, temi pela resposta. Mas diante o sorriso que não deixava seu rosto, percebi que não precisava me preocupar tanto.

—  Estou bem, e dessa vez estou realmente dizendo a verdade — comentou deixando o olhar vagar até a entrada da cozinha, onde os demais se encontram —  Receber aquela intimação em nome de Julia, me mostrou que não preciso me esquecer de tudo o que vivi para continuar sendo feliz, e principalmente, me mostrou que assim como Ellen, a maior razão da minha alegria está na companhia da tia nesse exato momento. Nada, nem ninguém poderá tirá-la de mim Elly. Nem mesmo eles.

—  Ela nunca errou em relação a você pirralha, sempre esteve certa quanto a tudo — sorri bagunçando seus fios ao lhe dá as costas, também indo atrás da minha afilhada...

Nova Etapa da Vida [ Hiatus ]Onde histórias criam vida. Descubra agora