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×× Alana ××

Como estou me sentindo?

Bom, era essa a pergunta que todos vinham me fazer desde o momento em que deixei o hospital. Não pensei em fazer nada que viria como forma de arrependimento depois, pois possuía a certeza de que isso jamais seria algo aprovado por ela, principalmente sabendo que minha filha sentiria enorme falta da mãe, e não era preciso fazer essa falta ser sentida duas vezes. Não seria nada fácil, essa é a verdade, mas pela Alice eu daria o melhor de mim, faria de tudo para aguentar essa barra, porque deixar o meu pequeno anjo jamais seria uma opção. Minha pequena cópia da Ellen, os dois amores da minha vida. Sempre em primeiro lugar na minha vida.

— Filha, seus amigos ligaram, estão preocupados com você — fui tirada dos meus pensamentos ao ouvir o breve comentário de mamãe. Estava deitada em minha cama velando o sono daquela que representava a razão de toda a minha resistência —  Não vai comparecer ao velório?

— Claro que sim mãe, é da minha esposa que estamos falando. Mas não posso sair sem ter a certeza de que minha filha está bem — falei, nunca deixando meu olhar vagar para outro canto, senão seu belo e tranquilo perfil —  A babá que vocês chamaram já chegou?

— Já faz algum tempo, mas o seu pai queria esperar que você descesse por conta própria — explicou enfim ganhando o meu olhar sobre si, então apenas soltei um longo e cansado suspiro —  Tem certeza de que não quer levá-la com a gente?

— Um ambiente tão pesado dessa forma não é lugar para uma criança nessa idade mãe, a Sra sabe disso tão bem quanto eu — assentiu entendendo o meu ponto, se aproximando para deixar um leve e carinhoso cafuné nos poucos fios que tomavam posse da cabeça de sua neta —  Tão jovem, e já tão parecida com ela — o comentário parecia querer rasgar a minha garganta, mas a verdade merecia ser dita, mesmo que fosse tão dolorida quanto um osso quebrado —  Fica bem meu anjo, mamãe vai estar de volta em breve — falei em um tom suave ao depositar um demorado beijo sob sua testa antes de me colocar de pé —  Vamos? Do contrário, a Marcelly deve aparecer aqui a qualquer momento para me sondar.

— Ela se preocupa, da mesma forma que o Mário, e o seu irmão, até mesmo sua cunhada — foi firme ao dizer enquanto me seguia até o andar de baixo da casa, onde papai estava à nossa espera ao lado da tal babá.

— Filha, essa a Rose, ela cuidará de Alice até a nossa volta — apresentou a moça, a qual ganhou uma completa análise minha, e talvez essa minha ação tenha a deixado desconfortável, porém era algo necessário. Não deixaria minha filha sob os cuidados de qualquer um.

— Qual a sua idade?

— Alana?! — tanto papai quanto mamãe, me repreenderam imediatamente, mas não me importei, apenas dei de ombros ainda encarando a garota a minha frente.

— Não tem problemas — disse cortando a bronca dos meus pais —  Possuo 18 anos.

— Não acha que é um pouco jovem para cuidar de uma criança com menos de um ano de idade?

— Seus pais me cederam uma breve apresentação sobre tudo o que julgaram necessário. Não irei cometer erros em relação a sua filha, pois trabalho com isso desde os meus 15 anos, então sei tudo o que preciso saber em relação a essa breve profissão — deixou a mostra um curto sorriso de canto ao me ceder sua explicação.

— Já pegou trabalho com crianças nessa idade antes? — poderia estar exagerando, mas não importa, o foco é a minha filha.

— Os dois últimos foram nessa faixa etária — disse firme —  Sua filha ficará bem, é uma certeza que lhe passo.

— Qualquer problema que surgir, não deixe de me ligar, não importa qual seja — falei tão firme quanto ela, pois já estava recebendo mensagem do pessoal, precisava sair, mas não sem antes deixar as instruções necessárias a disposição —  Ela está dormindo no meu quarto, o único do corredor com a porta entreaberta.

— Não precisa se preocupar Sra, ela está em boas mãos — sorriu ao dizer, e percebendo que não poderia mais me atrasar, me limitei a assentir antes de ser guiada pelos meus pais até o carro dos mesmos, no qual papai não demorou para se por na direção e dar partida com percurso traçado a residência Amorim, uma vez que minha sogra foi firme ao dizer que os últimos momentos da filha nessa terra seria na casa onde ela cresceu e passou a maior parte de sua vida. Não poderia me recusar a isso, não quando a minha opinião havia sido destroçada em relação a tudo o que dizia respeito a este assunto. Mesmo que me sentisse mal com as atuais ações dos meus sogros, me manteria estável no meu canto, pois não é fácil perder alguém que se ama. Melhor do que os próprios, eu conhecia a extremidade dessa dor. Não fazia sequer um dia completo desde a sua passagem pela ponte entre os mundos, e eu já me pegava pensando em como seriam as coisas dentro de um mês, ou mais. Ficava me imaginando em um futuro sem ela ao meu lado, ao lado da nossa filha. Parecia tudo muito surreal, inacreditável de várias formas.

Por vários momentos durante a minha falha tentativa em descansar antes de vir para cá, acabei sofrendo com sobressaltos de susto, ao acordar achando que tudo não passava de um pesadelo muito pesado. Mas infelizmente, não poderia ser tão simples, minha realidade era aquela em que atravessei a entrada sendo consolada por todos os presentes, até enfim alcançar o ponto chave daquela casa.

Desde o momento em que jogaram sobre mim o fato de que dispensavam a minha ajuda em qualquer preparativo para essa triste reunião, pensei que seu corpo seria velado na sala. Porém não foi bem assim, e não poderia estar mais de acordo com a decisão tomada. Mesmo sabendo que para eles o que eu pensava não importava, pude me sentir um pouco melhor ao ver que seus momentos finais seriam ao ar livre, da forma que a mesma sempre gostou de viver. Seus pensamentos mais obscuros se dissipavam quando saía para respirar ar fresco, ao menos era tudo o que a mesma nunca deixou de jogar sobre mim. Suas ações mais simples me deixavam no chinelo, me ganhavam ainda mais toda vez que algo era praticado. Mais jovem do que eu, e ainda sim, mais madura em muitas das vezes. Alguém que possuía todo um futuro promissor pela frente, mas infelizmente nem tudo saiu exatamente como planejamos, e estava aprendendo isso das formas mais dolorosas possíveis.

— Já estávamos começando a ficar preocupados com você — o comentário partiu de Rod, alguém que parecia ter sido tragado pela terra nos últimos dois dias, e nem mesmo sei o porquê, mas sua cara não estava melhor do que a dos outros. Talvez um pouco melhor do que a minha, mas ainda sim, estava péssima —  Eu sinto tanto Lana, me desculpe por não estar ao seu lado quando tudo aconteceu — soltou suas desculpas junto a um apertado e caloroso abraço, onde me senti protegida, assim como em todas as vezes que qualquer um deles me cedia tal carinho. Entre todos, o que mais me atingia era o de Marcelly, e isso não mudaria tão cedo. O modo como ela se disponibilizou a cuidar de mim, não era deste mundo, e mesmo tendo a noção de que meu irmão moveria céus e terras para me ver bem, nunca me passaria a segurança e preocupação que ela tem passado. Não quando a mesma vem se pondo ao meu lado desde o momento em que todas as cartas foram postas sobre a mesa. Momento este, que nem mesmo meus pais pareciam estar dispostos a me ceder o entendimento que estava precisando para não surtar além dos limites.

— Obrigada irmão, mas esquece isso, se pudesse, sei que estaria do nosso lado — falei no mesmo tom que ele, pois nossas palavras pareciam querer ficar apenas ali, entre nós dois e mais ninguém —  Você está aqui agora, e isso conta muito.

— Por que demorou tanto Alana? — Elly perguntou assim que todos deixaram de me sufocar em seus abraços, e como sempre, a resposta era esperada por cada um ali —  Estava cogitando a ideia de não aparecer para esta última homenagem?

— Claro que não, sabem muito bem que isso jamais passou pela minha mente. Estava apenas me certificando de que Alice ficaria bem — ouvir tal acusação doeu muito, pois era da Ellen que estávamos falando, a pessoa que mudou a minha vida de forma drástica, responsável por me fazer entender que o amor não possui definições ou algoritmos, apenas chega e acontece. Estávamos falando da pessoa que conseguiu tirar o melhor de mim sem nem mesmo se esforçar para isso, alguém que sempre irei amar, não importa quanto tempo passe.

— Porque não a trouxe com você?

— Esse é um ambiente muito pesado para uma criança, Susan — usei as mesmas palavras ditas a mamãe —  Ela não precisa correr o risco de um trauma desses durante seu crescimento, podemos esperar pelo seu entendimento antes de algo assim ser exposto para a mesma — joguei meu ponto junto a uma básica explicação ao soltar um longo e cansado suspiro. Precisava mesmo de um tempo para me recompor, de verdade, mas não sei nem mesmo dizer quando isso irá realmente acontecer —  Se me derem licença, vou me despedir uma última vez do amor da minha vida...


Nova Etapa da Vida [ Hiatus ]Onde histórias criam vida. Descubra agora