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×× Alana ××

Em momento algum passou pela minha mente que dona Júlia me levaria à justiça para tentar tirar a minha filha de mim. Mas devo ressaltar que sua atitude me serviu de grande ajuda, me mostrando que meus motivos para continuar batalhando estavam bem aqui, ao meu lado, cuidando de mim e também esperando por cuidados. Havia mesmo perdido alguém por quem morreria com um enorme sorriso no rosto, mas ainda existia um outro alguém pelo qual eu faria a mesma coisa, talvez fosse até mais além. Afinal, era a minha filha, o pequeno clone de Ellen, a minha melhor e maior lembrança de sua mãe.

Para mim, os resultados ditados pelo juiz já eram esperados, pois além de receber o apoio de todos aqueles que me acompanhavam de perto, não seria possível uma única prova de que eu não teria a menor capacidade para cuidar da minha filha. Dona Júlia poderia fazer uso de qualquer argumento difamatório, no entanto, jamais teria como apresentar fatos que comprovassem o seu lado de toda essa história. Nenhum juiz em sã consciência aceitaria seus argumentos, não com as declarações de profissionais qualificados, de amigos dos dois lados, e até mesmo Susan, sua própria filha. Suas chances se tornaram inexistentes antes mesmo de nos sentarmos de frente para o juiz responsável pelo nosso caso.

Durante todo o tempo gasto para tal discussão, não há como negar que suas acusações me doeram, e não era novidade para ninguém ali dentro que sua decisão em conseguir a tutela legal da neta, tinha como principal motivo a culpa que jogava sobre mim. Não importava o quanto as explicações pudessem ser ditas, para ela, eu seria sempre a verdadeira causa para a ausência de Ellen entre nós. E apesar de finalmente ter sido capaz de aceitar o ponto que minha amada falecida esposa lutou para pôr em minha mente, ainda dói ouvir o peso de suas palavras.

—  Com uma precisa análise feita sob cada declaração, juntamente a prontuários médicos e renda financeira. Não vejo motivos para que a criança seja tirada dos cuidados da mãe — ao ouvir o comentário do juiz, foi inevitável não exibir o melhor dos meus sorrisos. Como dizia Ellen, eu seria sim uma ótima mãe.

—  Excelência, o Sr deve ter se enganado. Essa jovem não está bem psicologicamente para tomar conta de uma criança. Mesmo que financeiramente não falte nada, sua mente pode não ser apropriada para algo nesse nível — era meio óbvio que ela ainda tentaria algo, não se daria por vencida tão fácil assim. Mas não importava, por decisão da justiça minha filha iria permanecer ao meu lado.

—  Sra Amorim, compreendo que queira sua neta sob seus cuidados, mas espero também que entenda o fato de que nessas circunstâncias específicas, a preferência é dada ao pai. Nesse caso, a mãe. Para que a situação mudasse de figura, o seu argumento teria de ser válido, o que infelizmente não é. Pois assim como foi pedido pelo tribunal, a Sra Dos Santos nos apresentou inúmeros prontuários, cada um partindo de uma clínica diferente. Todos mostrando sua aptidão física e mental, a deixando apta para cuidar de qualquer criança — diante tal resposta, Júlia não tinha mais o que dizer, se viu obrigada a aceitar sua derrota sem mais prorrogação —  Antes de afirmar a decisão já tomada Sra Dos Santos, poderia me dizer onde se encontra a sua filha nesse exato momento?

—  Não considerei o momento como um ambiente apropriado para uma criança de sua idade, por esse motivo a deixei sob os cuidados dos meus pais. Os quais não acharam necessário comparecer, principalmente sabendo que a intimação era algo absurdo, tendo em conta que minha vida se resume às necessidades e o bem estar da minha filha — a explicação deveria ser simples, mas me vi na obrigação de expressar a minha opinião sobre tudo o que estava acontecendo, e diante o olhar que Júlia jogou sobre mim, percebi que não poderia ter feito melhor.

—  A decisão sábia de uma mãe que se preocupa — exibindo um breve sorriso, disse em aceno positivo. Ele gostou de mim, estava certa disso, e se fosse possível, poderíamos deixar uma amizade crescer fora desta corte —  Pois bem, a criança permanece sob os cuidados da mãe. Declaro encerrada essa sessão — afirmou batendo o seu irritante martelo, deixando a sala instantes depois. Então não demorei para também pegar caminho a saída com as meninas ao meu lado na intenção de ir atrás da minha pequena, enquanto os rapazes seguiam direção oposta, seguindo para a farra na companhia de alguns colegas.

—  Obrigada pelo apoio pessoal — agradeci a todos os que perderam horas de seu dia para fazerem suas declarações a meu favor. Muitos dos quais eu mal conhecia, e ainda sim estavam aqui para me garantir mais essa vitória em minha vida.

—  Vamos logo pirralha, quero muito esmagar a minha afilhada em um forte abraço — Elly e seus exageros, mas ela estava certa, era essa a minha intenção também.

—  Podem ir na frente, preciso resolver uma coisa antes — Su disse perdendo a força de seu sorriso, então me virei vendo Júlia deixar o prédio ao lado do marido —  Encontro com vocês depois.

—  Não é justo que enfrente a ira de sua mãe sozinha — comentei deixando meu braço sobre seus ombros —  Você me apoiou desde o início, e vou estar contigo nessa agradável conversa.

—  As vezes me pergunto como uma criança será capaz de cuidar de outra — sorriu em negação ao me ter em suas costas, mas ainda sim não perdia sua pose. Seria sempre a mais responsável entre todos nós —  Tudo bem, se você não vai descer daí, vamos logo dar um "oi" a minha mãe — disse caminhando a passos lentos até o carro de seus pais, no qual meu querido sogro já se encontrava na direção, então desci de suas costas e ajeitei minha postura ao seu lado.

—  É com essa atitude que pretende cuidar da minha neta?

—  Como diriam os meus pais, Júlia. Eu ainda sou jovem, muitas dessas coisas são novas para mim, estou aprendendo a lidar com acontecimentos que muitos de vocês, adultos de verdade, nunca precisaram passar. E saber que sou capaz de suprir todas as necessidades da minha filha, não quer dizer que deixarei de viver a minha vida. Não quando fiz uma promessa para o contrário — joguei meus pontos sabendo que a atingi com a suposição de Ellen em meio a tudo, mas era exatamente isso. Por ela, pela nossa filha, pelos palhaços dos nossos amigos e família, mas principalmente por mim. Iria fazer valer tudo aquilo que sonhamos, iria seguir com minha vida.

—  A Sra sabe que essa é a decisão correta, mãe. Não deveria ter insistido no contrário, nenhum juiz apoiaria a retirada de uma criança dos braços da mãe — Su deixou pairar pelo ar sua posição em meio a toda situação, a qual deixou muito clara desde o início. Amava a mãe, mas não estava de acordo com a decisão da mesma, algo que nem mesmo seu pai apoiava. Mas diferente dele, ela não se obrigou a ficar do lado de Julia —  Tão bem quanto qualquer um, a Sra também acredita sim que Alana possa ser uma mãe excepcional para a pequena Alice. Mas devido a dor que carrega, se recusa a aceitar esse fato. Mesmo com todos afirmando o contrário, a Sra ainda insiste em culpá-la pela perda que sofreu. Uma acusação que não faz o menor sentido, mãe.

—  Cale a boca Susan — com umidade no olhar, pediu em um baixo tom de voz. Sabia que a razão estava do lado da filha.

—  Desde a descoberta de sua doença, Ellen fazia questão de deixar claro que jamais aceitaria a possibilidade de tirar a filha. Quantas vezes ela precisou recusar o tratamento depois do nascimento de Alice, para que vocês desistissem de tentar? Acha mesmo que tudo o que ela disse foi da boca pra fora? — as palavras ditas me faziam voltar a cada um dos momentos em que Ellen precisou explicar seus vários motivos para não aceitar a quimioterapia. Eu mesma forcei uma dessas muitas explicações, e da mesma forma em que ela se pôs em meu lugar quando derrubei suas expectativas ao apresentar sua doença. Acabei por entender o seu lado e aceitar mais essa decisão. Afinal, é para isso que estávamos ali, para entender e compreender os objetivos uma da outra, mesmo que o desfecho não fosse o melhor final desejado.

—  Ela possuía uma escolha, Susan, e essa garota...

—  A Alana apenas fez aquilo que minha irmã teria feito. Sua decisão a poupou de toda preocupação durante sua gestação — sorriu em negação ao revezar o olhar entre sua mãe e eu —  A mesma cansou de lhes dizer isso, mãe. A Sra não está errada, ela realmente possuía uma escolha, e por isso optou pela filha.

—  Era pra ela estar aqui, junto da gente — esse fato nenhum de nós poderia negar, mas como minha cunhada acabou de dizer. A escolha havia sido feita, e junto dela, uma linha diferente começava a ser traçada a partir daquele momento.

—  Mas não está mãe, ao invés disso ela nos deixou o melhor presente que poderia antes de partir, a sua melhor lembrança. Deveria aproveitar isso, e se ainda tem tanto a ganhar, porque continuar perdendo? — disse deixando seu braço sobre meus ombros me guiando novamente para seu carro, onde Marcelly nos esperava —  Pense nisso, e me ligue caso queira conversar...

Nova Etapa da Vida [ Hiatus ]Onde histórias criam vida. Descubra agora