Isso se chama ''gado''

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— Esse é o mesmo endereço da noite passada.

— Rua cinco?

— Sim, número 20.

— Ah, tô ligado.

Shouyou pegou o pedido, colocando na mochila em suas costas. Pedro balançou o dedo indicador, sinalizando para que se aproximasse. Hinata assim o fez, inclinando o ouvido para que o colega de quarto pudesse segredar.

— Não janta nada na rua hoje, vou levar as sobras pra casa.

— Sobrou esfirra? — Os olhos de Shouyou brilhavam em expectativa. Pedro sorriu, anuindo.

— Te vejo mais tarde. — Ele acenou, voltando para a dentro do restaurante. Hinata se despediu do amigo, seguindo viagem.

Pedro trabalhava em uma das várias franquias do Habib's já havia alguns anos. Ele era conhecido dos clientes e querido pelos outros funcionários. Graças a ele, Shouyou conseguiu um trabalho como entregador. Grande parte dos pedidos de fora de Pedro eram entregues por ele. O garoto fazia questão de contatar Shouyou sempre que tinham um pedido novo.

Aquele trabalho, além de fornecer uma renda extra, ajudava Shouyou a conhecer melhor a cidade. Conheceu ruas e bairros que não havia visto antes nos rolês que ia com Pedro e os amigos dele.

Descobriu atalhos que poderiam levá-lo ao destino de entrega mais rápido, lojas que vendiam roupas do seu tamanho e estilo, sem precisar ficar rodando o shopping de C&A a Renner.

Hinata também conheceu melhor certos pontos turísticos. Além da bela cidade que Rebeca o levou certa vez, nomeada de Olinda, a qual o ruivo ficou apaixonado ao visitá-lo pela primeira vez durante à noite. Não que não fosse bela durante o dia, com todo aquele colorido e multidão indo e vindo. Durante à noite, a tranquilidade era quase majestosa, as luzes que rodeavam a praça, refletiam no rio, eram como uma enorme decoração de natal. Sempre brilhante e ofuscante. Foi de tirar o fôlego, Shouyou desejou ficar e passar o resto de seus dias admirando aquela paisagem.

Ele se lembra de como Rebeca riu ao vê-lo boquiaberto.

— Eu sei, né? Meu país Pernambuco é muito lindo.

Ele não era louco para contradizê-la.

Ao finalizar a entrega, Hinata pôde respirar aliviado. Era a última do dia, já havia passado das dez horas da noite. Logo o turno de Pedro terminaria e eles poderiam ir para casa. Pedalava tão rápido quanto suas pernas suportavam, parando ao passar por ruas íngremes, deixando a bicicleta seguir livre. Aquelas pequenas ladeiras não eram nada comparado ao que ele subia todas as manhãs para ir à escola.

Voltando para o restaurante, ele encontrou Pedro já na saída, pegando sua própria bicicleta. Ao ver Hinata, ele sorriu, balançando a sacola de papel marrom.

— Vamos passar lá no Feijão, a gente pode jantar lá na praia.

Shouyou concordou, seguindo-o. Mesmo com seu corpo cansado implorando para que ele se jogasse na cama, ele não ia recusar o pedido. Não com aquele saco de esfirras o seduzindo.

Não demorou para chegarem à praia, apenas alguns quarteirões de onde Pedro trabalhava. Chegando lá, Rafael já esperava por eles nos bancos de pedra, acenando ao vê-los se aproximar.

Shouyou e Pedro largaram as bicicletas ali perto. O lugar estava praticamente deserto. Era uma terça-feira, um dia tranquilo. Na caixinha de som ao lado de Rafael, Hinata conseguiu identificar a canção "Boate Azul".

— Que sofrência é essa, pai? — Pedro riu, bebendo da lata que Rafael acabou de abrir. A resposta do outro veio cantada nos versos da canção.

Doente de amor procurei remédio na vida noturna! — Rafael jogou a cabeça para trás, levantando sua latinha de cerveja no ar, fechando os olhos ao cantar a plenos pulmões. — Eu bebi demais e não consigo me lembrar se quer/ Qual é o nome daquela mulher./ A flor da noite da boate azul.

A música teve seu fim, apenas para se iniciar uma nova, tão sofrência quanto a anterior.

— Zé Ramalho tava errado, o sinônimo de amar é sofrer mesmo. Como é que eu posso ser amigo de alguém que eu tanto amei? /Não sei o que eu vou fazer pra continuar a minha vida assim/ Se o amor que morreu dentro dela ainda vive em miiiim!

Hinata e Pedro trocaram olhares.

— Cara, supera isso, cinco anos já. — Pedro o cutucou com o pé, fazendo o amigo tombar um pouco para o lado. — Ela não te quer, já deixou claro, parte pra outra.

— Mas não tem outra, tem que ser ela, tá ligado? — A mão que segurava a lata de bebida vacilou. Rafael a levou junto ao rosto, bebendo. — O amor é feito de paixões/ E quando perde a razão/ Não sabe quem vai machucar...

— Tá vendo isso, Shouyou? — Ele apontou para o amigo, Hinata anuiu. — Hora de aprender uma palavra nova. Isso se chama "gado".

— Gado?

— Isso.

— Teu cu — reclamou Rafael, chutando areia para cima dos dois. — Eu amo ela, cara. Já que me ensinou a beber/ Já que me ensinou a sofrer!

Pedro suspirou, balançando a cabeça. Abraçando Hinata pelos ombros, o levou até o outro lado do banco, os dois sentados na areia. A sacola com as esfirras foi aberta e a boca de Shouyou salivou. Ele estava morrendo de fome. Devorou uma esfirra inteira em uma única mordida, sentindo a carne queimar sua língua. Soltou um murmúrio satisfeito. A cima deles, Rafael continuava com sua cantoria.

Vou beijando esse copo, abraçando as garrafas/ Solidão é companheira nesse risca faca/ Enquanto cê não volta, eu tô largado às traças/ Maldito sentimento que nunca se acaba!

— Por quem ele tá sendo... gado? — perguntou o ruivo, fazendo o colega de quarto rir.

Que falta eu sinto de um bem/ Que falta me faz um xodó/ Mas como eu não tenho ninguém/ Eu levo a vida assim tão só...Eu só quero um amor/ Que acabe o meu sofrer/ Um xodó prá mim, do meu jeito assim/ Que alegre o meu viver!

— É uma garota que a gente conheceu no tempo da escola, estudamos juntos durante o ensino médio inteiro. Gente boa, nossa amiga. Mas o idiota ai resolveu se apaixonar por ela.

Eu já te superei, certeza eu superei/ Mas não manda mensagem outra vez/ Senão recairei!

— Ele tentou ficar com ela umas duas vezes, só no primeiro ano. Sempre que ela esquecia, ele ia lá e falava que gostava dela de novo. O maluco era persistente, a gente até achou que ele ia ganhar a mina pela insistência.

Investe em mim, aposta tudo em mim/ Eu prometo te fazer feliz/ Eu prometo te fazer feliz!

— Mas a Bianca já estava ficando cansada, então quando ele tentou ficar com ela, de novo, ela saiu gritando: Eu gosto é de buceta, carai!

Em cima do banco, Rafael soltou um urro frustrado. Pedro caiu para trás na areia, rindo alto. Hinata estava no Brasil tempo o suficiente para saber o que aquilo significava. Ele olhou para cima, para o Feijão.

— Eu sinto muito?

— Não ajudou, Renato!

Então me ajude a segurar/ Essa barra que é gostar de você. — A nova canção foi cantada por Pedro, irritando o amigo.

— Vai dar esse teu cu mufino, Pedro!

Didididiê.

— Até tu, Renato?!

Hinata Shouyou: Made in BrazilOnde histórias criam vida. Descubra agora