Os anos vão passando e Alma e Lupina vão criando uma amizade complexa. Principalmente para todos os familiares. Alma, desde a chegada de Lupina amadureceu rápido.
Tornou-se logo uma menina independente, e o mais estranho para quem reparava nas duas, era como elas se comunicavam pelo olhar.
Lupina, parecia que entendia tudo que Alma falava. A loba, mostrava uma sabedoria além do normal.
Dr. Esmeraldo sentado na sua cadeira de rodas e a distância, olhava o comportamento das duas. Não havia violência por parte do animal, embora fosse uma loba selvagem, mas, um amor cheio de companheirismo e respeito entre as duas.
Muitas vezes o pai comentava com a filha mais velha, que Lupina tinha umas atitudes de gente. Tipo, a loba nunca entrava antes nos recintos, sempre deixava toda a família entrar primeiro.
No jantar, Lupina sempre ficava de prontidão ao lado de Alma. Esperando sua hora de comer chegar. E a menina que virava moça, continuava conversando com a loba como se fosse gente.
Dr. Esmeraldo olhava para Carmem e Suzana, espantado com a reação da loba quando era repreendida pela filha caçula. Lupina sempre grunhia e arfava, além de chacoalha a cabeça.
Carmem, a pedido do pai, pediu até para Alma não deixar Lupina dormir na mesma cama que a dela, porém foi em vão.
Alma amava Lupina de todo seu coração. E cresceram juntas. Eram uma alcateia diferente.
Dr. Esmeraldo só passou a confiar mais no animal, quando ele levou um rapaz para ser um possível pretendente de Carmem, a esposo.
O rapaz era de uma família rica. Os Castilhos. Família essa que era dona de vários hectares de terra usadas para o plantio da cana-de-açúcar e do café.
Lupina sentada ao lado de Alma, com suas orelhas em pé, escutava como gente a conversa do rapaz. As sete filhas sentadas na sala com seu pai próximo à janela maior da sala. Eram dez janelas, e uma delas era grande e larga... A que ele ficava recebendo o sereno nas costas.
Todos acompanhavam as histórias contadas pelo rapaz chamado Tadeu Castilho, de como ele ajudou o presidente Getúlio Vargas a conter a revolta dos Tenentes. O rapaz contou como sobreviveu a todos os horrores e sua tristeza de lutar contra seus irmãos de farda.
Tadeu, contou até que levou um soldado nas costas, em meio ao fogo cruzado, subindo um morro de lama e corpos mutilados conseguindo assim salvar a ele e ao rapaz. Depois se arrastou por dentro da mata virgem que cercava o Rio de Janeiro.
Lupina toca com sua pata direita na barra do vestido de Alma, que inclina-se para sua esquerda, escutando um pequeno latido feito pela loba.
Alma, fica olhando por segundos nos olhos de Lupina.
— Você tem certeza?
— O que você está cochichando com seu animal? — Pergunta Dr. Esmeraldo.
A cor da face de Alma foge. Ela engole seco. Carmem, abre um leve sorriso mexendo os lábios para o lado.
— Vamos Alma, diga-nos o que lhe causou estranheza no latido de Lupina. — Tadeu fica sem entender o que está acontecendo e pergunta:
— O que eu perdi?Alma limpa a garganta.
— Minha amiga pediu para o senhor mostrar suas mãos.
— Sua amiga? Que amiga? O que está acontecendo que não estou entendendo.
— Desculpe-me Sr. Tadeu, são coisas de adolescente... Queira perdoa-la. Não é nada demais.
Tadeu abre as palmas das suas mãos e olha para uma e depois para outra. Ainda sem entender o pedido e ficando mais arredio, levanta as palmas das mãos na direção de Alma. As duas palmas e os dez dedos.
Lupina joga o ar do pulmão para fora e rosna baixinho. O rapaz fica atônito ao ver a adolescente inclinada para a esquerda, como se entendesse a linguagem da loba.
— Sr. Tadeu, suas mãos parecem bem macias... Pelo menos de longe, para quem lutou bravamente uma guerra.
Irritado com a famigerada insinuação, Tadeu Castilho levanta-se e percebendo que Carmem está prendendo um sorriso, ele estica o paletó escuro para baixo e pedindo licença ao Dr. Esmeraldo sai marchando casa à fora.
O silêncio na sala é notório e incômodo. Exageros à parte, as respirações temerosas de cada membro da família sentados na sala são escutadas e Dr. Esmeraldo com o dedo indicador na boca e o polegar da sua mão direita segurando o queixo, parece a estátua " O Pensador" de Auguste Rodin, que se encontra no Museu Rodin, Paris.
Dr. Esmeraldo olha alternadamente para Alma e Lupina e com um brado na sua voz, gargalha nas alturas batendo suas mãos em cima das coxas mortas. As seis irmãs acompanham a gargalhada do pai.
Estendendo sua mão direita na direção de Lupina, como quem pede uma trégua, a loba prontamente levanta-se, caminha até o dono da casa, cheira a mão dele e estendendo sua pata direita os dois se olham.
Sem Dr. Esmeraldo dizer nada, Lupina ler nos olhos do pai Alma: "Obrigado". E completando o olhar agradecido, diz:
— Eu já estava acreditando nas mentiras daquele fanfarrão... Você é especial menina. — O pai de Alma faz carinho na cabeça de Lupina. — Bota especial nisso. Você é gente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ALMA LUPINA - "Venha, entre e sirva-se" - Lançado em 24/03/2021
HorrorSete mulheres. Uma loba. Uma Alma. 1934. 24 de Dezembro... Natal. Um pai viúvo e preso na cadeira de rodas recebe uma visita inesperada. Uma criança, no pior dia da sua vida, conhece uma Loba azul que se tornará sua melhor amiga. Morte...