9 - 22/12/1934

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O Natal vai chegando com os ares das novas esperanças, trazidos também pela chegada de um novo ano.

      Vinte e cinco de dezembro, traz a lembrança que Deus virou gente e andou por essa Terra.

O ano novo, mostra que mais um período de trezentos e sessenta e cinco dias serão renovados, juntamente com a esperança.

Dr. Esmeraldo passou o dia na varanda da casa, observando suas filhas trabalharem. Inclusive Alma. Todas preparam-se para o Natal que acontecerá em dois dias. Já são dez anos sem sua esposa.

A menina Alma estava irradiando felicidade. Para onde ia, era cantarolando e levando seus livros nos braços.

A adolescente adorava ler, embora a dificuldade em conseguir livros fosse imensa, sempre que seu pai viajava até Recife, ele procurava na única livraria da capital as novidades vindas da Europa ou livros de Machado de Assis, Augusto dos Anjos ou Castro Alves. O preferido de Alma era Augusto dos Anjos.

Curiosamente, Dr. Esmeraldo não entendia essa paixão pelo autor paraibano, que escrevia de forma poética um corpo devorado por um verme.

Lupina, ficava deitada com as patas embaixo do focinho observando todo o movimento de entra e sai no casarão.

Dr. Esmeraldo já havia se acostumado com a loba. Até achava estranho um animal tão selvagem, ser tão dócil.

Os trabalhadores e capangas de Dr. Esmeraldo, ajudavam espalhando as decorações natalinas em volta da propriedade.

     Dr. Esmeraldo, assusta-se ao ver Lupina ao seu lado.

— Menina, você caminha muito macio. Mas, isso faz parte da sua natureza. Não sei o porquê ou como Alma e você se afeiçoaram... Também não sei como uma loba vai aparecer por aqui no sertão e sozinha.

    O pai de Alma acende um cigarro importado do México. Daqueles bem fininhos e aromáticos. Lupina arfa tentando jogar o cheiro do cigarro para longe.

— Eu imagino como deve ser apurado seu olfato. Se não gosta do cheiro do meu cigarro, você tem todo o pasto pra ficar.

     Dr. Esmeraldo traga mais uma vez, jogando a fumaça para cima e começa a conversar com a loba.

— Tive que levar um desacerto para aprender e começar a ganhar mais dinheiro. Não me orgulho de nada que fiz e mereço estar nessa cadeira de rodas. Foi castigo pelo moio de vidas que tirei. Deus me castigou. Oh, sim! Ele castigou valendo.

     Outra tragada, porém mais demorada.

— Eu ganhei muito dinheiro matando gente, Menina. Eu matava de rodo. Meu apelido era "Cemitério". — Dr. Esmeraldo sorri sem fazer uma expressão facial. — Havia um pé de manga no meio do cemitério da cidade, se aparecesse uma fita vermelha amarrada no galho, eu já sabia onde pegar o dinheiro e o nome do desafortunado. Eu dava apelido aos meus defuntos.

Lupina olha para Dr. Esmeraldo como se estivesse entendo tudo.

— Porém, um dia o amor bateu na minha porta e quando estava bebendo no bar da cidade sofri uma emboscada e fui baleado... Mesmo convalescendo matei pai e filho.

— Pai! O que tanto o senhor fala com Lupina?

— Desabafando meu tesouro... Desabafando.

     Alma olhando para Lupina, diz:

— Na hora de dormir, você vai me contar tudo.

     Dr. Esmeraldo lembrando-se do caso do pretendente da sua filha mais velha, que fora desmascarado pela loba e Alma, olha para o animal e diz:

— Lupina, não esqueça que é nosso segredo. — Depois de falar, o pai de Alma pisca o olho para o animal.

— Alma, ano que vem você faz quinze anos. Se sua mãe fosse viva, teria muito orgulho de você.

— Meu pai, parece que foi ontem... Mas, já faz tempo. O senhor se lembra como chovia naquela noite?

— Eu não me lembro disso. A única coisa que sempre vem nas minhas lembranças é a imagem do caixão lacrado.

— Por que o senhor não casou de novo?

— E dar uma madrasta para vocês? De jeito nenhum. Fora isso Alma... Eu nunca amaria outra mulher como amo sua mãe. Com certeza faria a nova esposa torna-se amarga e infeliz ao meu lado.

— Eu espero um dia encontrar alguém igual ao senhor.

— Nunca mais peça isso, minha filha!

— Por que? — Alma pergunta surpresa com a força das palavras que saem da boca dele.

— Por que devemos pedir a Deus a pessoa certa para nossas vidas.

— O senhor tem pesadelos?

     Dr. Esmeraldo olha desconfiado para sua filha e a rápida mudança de assunto.

— Por que a pergunta?

— Tem dias que o senhor grita muito... Pedindo para não sei quem ir embora.

— Tem noite que sonho com um homem vestido de preto, vindo me matar. Os olhos dele são vermelhos iguais as brasas vivas de uma fogueira.

— Deve ser assustador.

— Ô se é. Mas, quando chamo o nome de sua mãe, eu me acordo.

— Papai...
— O que é minha filha?

— Muito obrigado. — Dr. Esmerado olha surpreso para Alma. E sem entender o agradecimento pergunta:

— Obrigado pelo quê?

— Por ter aberto seu coração e ter conversado comigo. O senhor não me tratou mais como uma criança.

     Dr. Esmeraldo abre os braços e chama Alma pedindo um abraço. Os dois se abraçam emocionados.

Lupina levanta as orelhas e olha para o horizonte, como quem procura por algo.

ALMA LUPINA - "Venha, entre e sirva-se" - Lançado em 24/03/2021Onde histórias criam vida. Descubra agora