12 - Retorno

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Naquele ritmo, seguimos um caminho certeiro e encontramos facilmente a vila. Já começava a escurecer.

De longe, vimos que estava havendo uma procissão. Lembramos que era a Sexta-Feira Santa. Logo identificamos Dona Cosminda entre as senhoras. Larissa e eu nos olhamos alegres pelo reencontro. Mas imediatamente algo nos espantou, deixando-nos lívidos. Em meio às pessoas da procissão, haviam Corpos Secos, caminhando, impávidos.

Antes de qualquer difícil decisão, outro evento ainda nos chamaria a atenção. Um velho esquisito corria atrás das crianças, expulsando-as da procissão com violência. Havia algo de assustador na voz rouca daquele velho. O porco começou a rosnar e Larissa deu um passo à frente. Eu a segurei dando um passo para trás. Apontei para alguém, um vulto, que muito rapidamente disparou na direção daquela cena, pulando sobre o velho, em uma luta corporal.

O velho conseguiu logo se desvencilhar e fugir correndo. As crianças se espalharam, em desespero, diante da indiferença da procissão, que seguia firma. Naquele momento, percebemos que mesmo as senhoras pareciam sem expressão, segurando as velas, com a mesma cara dos intrusos.

O vulto que espantou o velho estava ainda no meio da rua, ofegante. O porco não rosnou mais. Entendi aquilo como sinal de confiança. Larissa mexeu o pescoço e os olhos, tentando enxergar. "João... ele parece... não, ele é!" E sem que eu entendesse logo, ela correu e abraço o homem, ou melhor, o rapaz. Era Juca. Sua sombra o fazia parecer maior.

Em êxtase e lágrimas, nos cumprimentamos, nos abraçamos, deixando quaisquer explicações para depois. Falamos com Juca sobre aquelas pessoas estranhas, que nos perseguiam. E Dona Cosminda estava lá naquele cortejo sinistro. Juca, sem pedir mais motivos, disse para irmos ajudá-la. Quando ele deu o primeiro passo, pareceu crescer novamente e estranhamente rosnar.

Juca parecia uma fera no escuro. Larissa parecia ter asas. Eu montei no porco e, juntos, atacamos. Foi uma bagunça no centro da vila. Gritos de espanto, velas no chão, provocando pequenos incêndios. As senhoras pareceram acordar de um torpor e os invasores, olhando feio para nós, começaram a se espalhar e a sumir de nossa visão em meio às outras pessoas.

Homens fardados de azul, como aqueles que prenderam Juca chegaram para conter a confusão. Três deles vieram até a gente, após alguém apontar para nós. Corremos lado a lado, foi quando eu consegui enxergar os dentes grandes, pelos e os olhos amarelados de Juca. Os homens estavam chegando muito próximo, Juca rosnava, Larissa gorjeava e o porco grunhia. Eu comecei a nos guiar em direção à mata, pois me pareceu o lugar mais seguro.

Mas antes da saída da cidade, um dos homens fardados já estava lá nos esperando. Estávamos cercados. Paramos. Esse homem nos encarou com um ar assustado e, para a nossa surpresa, nos chamou para entrarmos em uma casa, com pressa, aos sussurros. A casa, na verdade, era uma igrejinha evangélica, recém-aberta na vila. Ele fechou a porta e Juca o havia reconhecido. Era um policial amigo do seu pai. O homem disse apenas para não sairmos dali que ele resolveria e fechou a porta. Ouvimos alguma conversa lá fora e depois mais nada. Silêncio. Estávamos seguros. Sentamos nos bancos da igreja. Larissa disse que fizemos um bom trabalho e sorrimos, satisfeitos, esquecendo, naquele momento, que o problema não havia acabado.

Mais calmos, começamos a contar, ao mesmo tempo, as novidades. Falamos do circo, da cidade, do velho ranzinza, que era uma cobra de fogo, dos velhos da cabana levados pelo vento, da bolsa mágica e da Caipora. Juca ouvia tudo acreditando e nos explicando que ele também vira coisas assim, que aquele homem perseguindo crianças, inclusive, era o Quibungo. Na verdade, era o velho Manuel, que ele flagrara indo atrás de crianças da vila. Nesse ponto, Juca começou a se emocionar. Perguntamos sobre a prisão, ele não nos deu muitos detalhes, mas conseguimos imaginar a força que precisou tirar de si para enfrentá-la.

Juca era o nosso melhor amigo. Gostávamos muito de sua companhia desde jovem. Ele sempre tinha sido reservado, mas sua simples presença era um acalanto. Hoje penso em como ele era tratado diferente em todas as situações e eu só havia percebido aquilo no dia da sua prisão. A sua cor o fizera ser visto diferente desde a infância. Eu não conseguiu entender direito naquela época. Inclusive, toda a sua família também era vista de um modo diferente.

Eu gostava sempre quando Larissa me chamava para irmos visitá-los. Era uma família era muito alegre, apesar de serem olhados por todos de uma maneira esquisita. Suas irmãs gostavam muito de dançar. Seus pais, muito simpáticos, nos recebiam com prazer. Era muito confortável estar lá. E Juca era um menino muito honrado. Uma vez se meteu em uma briga com alguns meninos porque estavam maltratando um cachorro de rua. Apanhou, mas espantou os meninos. Depois levou o cachorro para casa. Todo dia que íamos lá, aquele cão estava na porta, deitado, afastando algumas moscas com a orelha, fazendo-me sempre lembrar de como Juca era um menino bom.

Juca estava explicando sobre o Quibungo, uma espécie de Bicho-papão, quando Larissa mencionou o seu pai. "Há homens maus em nossa vila". E eu lembrei dos homens do bar, de Mendonça, e de seus olhos de cobiça para as nossas terras. Nós três demos as mãos e prometemos enfrentar todos aqueles monstros. Não sabíamos muito claramente ainda do que falávamos, mas nossa vontade era aquela, e juramos proteger a vila. 

O DESPERTAR DO CURUPIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora