21 - Perfume no vento

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Atendo a porta e vejo Larissa em um belo vestido, que a faz parecer cada vez mais leve. Sorrindo, diz que dessa vez eu não escapo, que era para ir almoçar em sua casa. Aceito e saio com meus pés virados, diante dos olhares curiosos da vizinhança.

Olho ao redor e não penso mais nos meus pés. Penso em toda aquela gente da vila, crianças brincando, mulheres na labuta, homens desocupados, bebendo. Vejo, na esquina, o cachorro de Juca.

Penso em Juca. Como não teria sido difícil quando no dia seguinte à batalha, ele fora à delegacia da sede entregar as denúncias contra o esquema entre Mendonça, os policiais e o prefeito. Ele nos contou o seu desconforto de estar novamente diante dos homens de farda azul. Enfrentou de rosto à mostra alguns olhares reprovadores sobre ele. Aguentou firme e oficializou a denúncia, que fora aceita, mas logo arquivada, pois Mendonça havia sido encontrado morto em frente ao casarão, segundo a versão oficial, vítima de um ataque dos seus próprios funcionários, que estavam desaparecidos.

O mal tinha sido vencido, mas não exterminado. Eu sentia que estava sempre prestes a vê-lo em todos os cantos para onde olhava, como um vulto. Eu sabia que a sua extinção era impossível, que ele estaria sempre rondando. Que na aparência pacata do vilarejo havia uma luta diária contra ele.

Olho e penso em que como a nossa gente se vira, buscando soluções todos os dias, alguns chegando sempre perto. Lembro da fala da Caipora sobre mim: "Esse aqui vai longe sem chegar". Seria uma sina? Apesar disso, e de estar hoje mais velho, ainda sinto disposição, como se tivesse ainda corpo de menino.

Mas chego a me perguntar se, mesmo agora, sem a Onça da Mão Torta, essa gente ainda precisa de proteção? De heróis? Nossos amigos lendários havíamos cada um ido para um lado, após a batalha. Para onde teriam ido? Acabou o perigo? Certa vez, Larissa me disse que não, e que não ela sempre pensa não ser apenas a nossa vila a precisar de ajuda. Ela me diz ter vontade de ir a outros lugares combater o acúmulo da maldade, ainda que fora dos ciclos. Lembra da cidade. Eu respondo, preocupado, que o nosso lugar é nossa responsabilidade.

Sentamos para almoçar no quintal de Dona Cosminda. Vejo que lá estão Juca e suas irmãs. Nossa reunião é tranquila e leve. Noto folhas balançarem nos quintais. Um vento forte chega e vai se amansando. Lembro da vovó. O vento traz lembranças, mas não leva as saudades. Estávamos sorrindo. Olho para Juca e para Larissa e os seus olhares cúmplices me passam confiança. Olho na direção do vento e sei que a vovó estará sempre lá, sempre aqui. Sorrio, respiro fundo e eis que me chega suavemente um cheiro de alfazema, da fragrância que a vovó usava.

FIM 

O DESPERTAR DO CURUPIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora