19 - Cartas na mesa

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Estava tudo muito bom. O Boto falava em irmos logo resolver o problema. A Iara saíra da água e a sua cauda se transformara em pernas, em prontidão. O jovem machucado desceu do cavalo e falou muito pouco, mas com algum rancor. E a mula ergueu-se sobre as patas traseiras, pronta para o combate. Juca me pareceu pensativo. Larissa tinha um olhar perdido. Tive compaixão dos meus amigos.

Mas resolvi falar. Questionei qual seria o plano mesmo, se havia um, uma vez que a situação da vila estava ficando difícil com tantos apoiadores de Mendonça, que pareciam, na verdade, serem muitos Mendonças. Iríamos matar a todos? Naquele momento, sentia como se a minha vida ancestral não passasse de um sonho, e tudo o que vivi na vila veio à tona. Então repetia: O que faríamos de fato? De que maneira? Quem atacaríamos? Os perigos pareciam ir além do filho dos Mendonça. Lembrei do bar na cidade, da polícia na vila, das perseguições. Daria para vencer aquilo tudo com nossa magia? Com assopros e assobios teríamos mesmo chance contra tudo aquilo? E mesmo nesse mundo mágico, tínhamos inimigos que não sangravam, invulneráveis...

Todos me escutaram espantados. Pensei ter visto até os animais se espantarem e me encararem. O Boitatá não parecia mais ranzinza. Ao contrário, vi sair de sua boca um esboço de um sorriso. Sua pele intensificou o brilho, e ele disse: "A sua avó fez um bom trabalho. Colocou você no mundo dos humanos. Agora sabe o que é ser e o que não é ser. O nosso líder despertou.".

Nesse momento, eu me vi refletido em sua pele e foi como se meu próprio reflexo falasse com muita seriedade: "Na cidade, será ainda pior para nós.". E soprou um vento que, dessa vez, não veio do Saci.

O DESPERTAR DO CURUPIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora