Sempre nos queixamos dos caminhos pelos quais a mente decide tomar, desolados com os pés encaminhados à esquina do desconhecido para lugares secretos.
Trovões rasgavam o céus noturno, em retaliação sobre o silêncio, dilacerando e fazendo a terra gritar, obra de algum deus louco em seus encargos daquela madrugada. Diziam os contos populares em Huologard que os céus costumavam ser usados como o ferreiro utiliza de seu apetrecho para forjar armas em divino requinte, cada uma daquelas marteladas incendiava dezenas das ondas de energia para que iluminassem a noite.
Podia sentir nessa ocasião os beijos gélidos da brisa sobre os pés. Tal versão parecia menos verdadeira, na minha opinião, não, na deles, o vento tempestuoso parece querer me contar algo, sussurra em meus ouvidos aqueles uivos disformes, quanta incompreensão, não os compreendia de forma alguma, até trovões, talvez num acesso de fúria da natureza, ou no único outro tom de voz que conheça, a tempestade se comunicava, dizia as palavras sem sentido para mim.
O ruído descompassado do galho que batia na janela me acordava finalmente. Acordei num lugar estranho de novo, o dilúculo dos trovões iluminava a cômoda e pude perceber o quão espaçosa era pela primeira vez, enquanto os olhos se acostumavam ao escuro. Aquele lugar continuava dentro do castelo, podia perceber a miríade de semelhanças na decoração, era uma espécie de jardim interno, quem sabe, folhagem verde se dispersava por onde aquele plano baixo me permitira, por trás de cercas de contensão e falta de terra, pétalas coloridas em todos os formatos lhes adornavam, o estalo dos grilhões decorativos que suspendiam algumas hortaliças com o vento ao teto abobadado e feito de vidro.
-Isso de novo...
Massageei os olhos enquanto soltava o suspiro, lembrando que essa não seria exatamente a primeira vez a qual caminhava pela noite. O segundo clarão projetou uma sombra, alta e impotente por trás de mim, o casco espesso lembrava um carvalho antigo, porém quando se observava melhor através do véu da noite, notara sua boca, de lábios retorcidos engelhados, quase no formato de um círculo, sussurrando palavras que não prestara atenção antes.
Era muito estranho haver uma Faladoura tão pequena assim, e principalmente, dentro de Qatarat Alcmar.
-Poderia falar um pouco mais alto ? -Aproximava o ouvido da saída -Escutar...
A força intangível irrompera todas as janelas com aquele bafejo impaciente do vento, perturbando toda forma de vida presente na estufa, os vasos saltando os metros em que lhes conferiam para todos os lados, folhas levadas pela brisa ameaçadora se amontoavam em um ciclone ao meu redor.
"A boca que emitira promessas ameaça se calar para sempre"
-Como ? Quem ?
"Ele que vem das terras além da coragem de minhas irmãs e negra ao conhecimento
Sua promessa de gelo e sangue
Languiu aos prometidos tal fim
Na noite cinzenta e sem luar
O portador de gelo se fechará"
-Esse com certeza tem que ser o Págo, não é ?! -Não houve uma resposta -Obrigado, Dona Árvore !
Não havia tempo a perder, pela urgência com que aquela coisa falava, Págo talvez já estivesse morto. Saltei para fora do ar que me cercava e logo me encontrava correndo pelas galerias do castelo, por algum motivo sentia que estava na direção certa, mas na realidade não tinha a menor noção de em que ala estava, parecia uma mais antiga do castelo, ainda sem os cristais para se orientar.
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O Conto dos Exilados:Reflexos de uma utopia opaca
General Fiction"O coração dos que foram exilados Quando tocados como um só Dentre fogo e neve sofisticados Mancharão o céu de angústia com dó Do momento que o mais alto pico manchado de negrume For todo seu ser ponderado Emendado, enriquecido e corrigido esse sopé...