Tentar manter uma rotina em Qatarat Alcmar era, para dizer o mínimo, desafiador. Quero dizer, a minha rotina ao menos. Todos os dias é preciso se concentrar, acordar junto ao sol, aquele responsável por mais um dia, e agradecer, em nome dos ventos cardinais, a terra, a água, as plantas, florestas, a luz, as sombras, e a energia de vida correndo por todos, por mais um dia em que Kakó não nos destruiu...
-Você acorda cedo todos os dias ?-Mavis falava. -Bom dia.
Nphysen continua a nos criar possibilidades. Em nome de tudo que existe no cosmos, falo pois não conheço suas de comunicação e como podem lhes mostrar tal gratidão. Obrigada. Abrihdes.
-Abrihdes ?-Ela repetia.
Levantei o semblante e inspirei o máximo que pude, deixando que todo o ar saísse em seguida. Voltava a atenção para Mavis, nós duas passamos a usar as mesmas roupas, no entanto nosso interior permanecia inalterado, eu a conhecia pelo que fora nesses quatro dias, nada a acrescentar ou retirar, e vice-versa.
Todas as manhãs e tardes e noites ocorriam da mesma forma, os guardas trocavam de turno, em seguida procuravam um lugar calmo onde conversar, por conveniência, próximos de onde estivesse meditando ou realizando alguma prece. Ademais, passamos a não ser mais os únicos convidados se hospedando no castelo, a imensidão dos quartos na ala leste era preenchida por...eu não sei nem dizer o que eram.
-Quer dizer "obrigado" em palianês. -Respondia -E bom dia.
-Você estava rezando então ?
-Estava...como chegou nessa conclusão ?
Dizia me levantando e batendo nas calças para espantar a poeira.
-Foi algo que o meu pai falou certa vez, as pessoas rezam para agradecer aos deuses.
-Há muito mais que isso numa prece, mas sim, também incluímos isso geralmente. -Algumas roldanas se moveram na minha cabeça formando a epifania. -Calma, você nunca rezou na vida ?
Ela dava de ombros.
-Bom, não. O meu pai não tem uma religião específica, ele acredita e nos fez crer também na existência dos deuses, mas seguir adiante e se aprofundar nisso é uma escolha nossa.
Vários pensamentos vinham naquele momento, honestamente era um choque conhecer alguém assim, era complicado tentar imaginar como alguém seria capaz de viver dessa forma. Procurei dizer apenas o essencial naquele momento.
-E em que você se apoia em momentos mais difíceis ? Digo, os deuses podem não conhecer as suas dificuldades se você não os contar.
Mais uma vez, ela dava de ombros.
-Eu tenho minhas pernas e braços, acho que posso me virar sem eles por mais um tempo...mas se algum dia eu não conseguir, quem sabe eu faça um contato.
A encarava por algum tempo, processando a informação da maneira mais construtiva possível, afinal essa era uma das leis no Templo Vagalume: não julgar. Deveríamos ser receptivos a novas ideias, sempre.
-Bom, então acho que você estará nas minhas preces de agora em diante. -Falei por fim -Para que nunca precise fazer uma. E, caso precise, que eu possa ajudar de alguma forma.
-Pois eu vou trabalhar nisso agora mesmo ! -Ela sorria enquanto se levantava também -Eu e Purehito geralmente treinamos pela manhã, e hoje vai ser o dia em que eu vou vencer dele e ficar à frente no nosso placar. Quer vir junto ?
-Não, obrigada. -Respondi -Pra falar a verdade, já tenho planos para hoje.
-Ah...
-A Pedra insistiu que eu e Jonetsu treinássemos os básico na Autoridade sobre a água, por sermos de outro reino e estarmos atrás de vocês nesse quesito e blá blá.
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O Conto dos Exilados:Reflexos de uma utopia opaca
General Fiction"O coração dos que foram exilados Quando tocados como um só Dentre fogo e neve sofisticados Mancharão o céu de angústia com dó Do momento que o mais alto pico manchado de negrume For todo seu ser ponderado Emendado, enriquecido e corrigido esse sopé...