Fazer compras com Mavis é uma atividade que deveria estar listada em algum manual de modalidades para se cometer um suicídio. Certo, talvez eu merecesse um pouco daquilo por mexer no aparelho da Pedra enquanto ninguém via na noite passada, mas ainda seria injustiça com qualquer ser vivo que se preze a morte por um carro de compras.
-Rápido, mais rápido Jonetsu ! -Ela falava ocasionalmente quando era oportuno lembrar da minha presença -Não vamos perder para aqueles dois sacos de batatas ! Você é um saco de batatas também, Jonetsu ?!
-Não...
-Não ouvi !
-Não senhora !
Assustadora...nós andamos (corremos) por horas enchendo aquele carro com carnes e peixes de todos os tamanhos e Mavis parecia nunca se importar com o peso, o que comprova a minha teoria de que ela era algum tipo de monstro.
-Para a próxima rua !
Sempre anunciava animada pouco antes de puxar o carro, quase me esmagando abaixo do mesmo no processo, podia até estar no outro apoio, no entanto, era mais como se o carro que me empurrasse, e não o contrário.
-Mais devagar, Mavis ! Vai devagar, essa ladeira é íngreme demais !
-Deixa de moleza, quanto maior for a velocidade, mais leve vai ficar o carro também.
-As pessoas em quem nós vamos bater não apoiam o seu ponto de vista !
-Você só sabe reclamar ?
Depende, quando corria um rico de morte, vinha bem a calhar...
-Segure-se agora.
Estávamos a poucos metros de uma pequena multidão, fechava os olhos já no aguardo do pior, afinal seria impossível para nós dois parar o carro antes de virar um delicioso banquete para os abutres àquela distância. Foi quando Mavis agiu de forma mais inconcebível que nosso destino, ela girou o corpo levando o carro consigo num único movimento, na direção de outra ruela, me peguei em dúvida se aquilo fora realmente planejado. O carro mantinha a força e o peso para se locomover naquele lugar deserto, tudo que tínhamos a fazer agora era manter seu ritmo, a encarei pouco menos incrédulo que antes de executar sua manobra, ainda mal podia acreditar que alguém menor que eu conseguiria me levantar, quem dirá arremessar junto a um carro de quase uma tonelada.
-Perdeu alguma coisa aqui ? -Mavis comentou quando a encarei por tempo demais.
-Claro que não, mas você parece ter perdido.
-Você é quem perdeu a dignidade com aquele grito agudo de agora a pouco.
Droga. Em minha defesa o dia não estava nada bom e algum desses escaparia uma hora ou outra.
-Além disso -Mavis continuou -Eu prometi proteger as pessoas inocentes e essa cidade como Vilder, seria péssimo começar a minha reputação fazendo um strike numa multidão.
A velocidade do carro diminuiu aos poucos até sair na próxima avenida, uma diferente das outras ruas comerciais por onde passamos, mais modesta, a maioria dos estabelecimentos tinham a mesma decoração, vinhas envolvendo as pilastras, janelas de vidro, jarros com flores nas mesas e placas com desenhos diferentes, separando um estabelecimento do próximo. Passei boa parte da vida em ruas de restaurantes e, mesmo que na Cidade Jade fossem mais caretas, ainda conseguia reconhecê-las.
-Vamos fazer uma pausa para o lanche por acaso ? -Comentei -Sem reclamações da minha parte, claro, mas você não tem uma competição para ganhar ou coisa assim ?
Mavis me lançou um olhar que fez agradecer estar a um metro de distância dela.
-Nós já terminamos, agora faça um favor e sente essa sua bunda numa das cadeiras.
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O Conto dos Exilados:Reflexos de uma utopia opaca
Ficción General"O coração dos que foram exilados Quando tocados como um só Dentre fogo e neve sofisticados Mancharão o céu de angústia com dó Do momento que o mais alto pico manchado de negrume For todo seu ser ponderado Emendado, enriquecido e corrigido esse sopé...