Purehito Morningstar: Conheço outro esquisito no castelo

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A primeira noite no dormitório poderia ser pior, Jonetsu passou a madrugada inteira roncando feito um urso-foca, o ruído era tão alto que chegou a atravessar as paredes do meu quarto diversas vezes. Chegava a sentir certa inveja dele por isso, ele ainda era capaz de dormir tranquilamente apesar do som de destruição que a boca emitia, além de ter recebido a mesma notícia que eu. Em certo momento, todos que conhecemos dependeriam da nossa ajuda, mesmo desconhecidos dependerão !

Não me recordo se consegui dormir naquela noite, apesar de ter quase certeza de que isso aconteceu, lembro de passar pelo pátio ainda repleto de resquícios de uma chuva pela madrugada, que não presenciei acordado. Precisei ser meticuloso de onde pisar, a pedra polida no chão se tornava escorregadia à menor presença de água, o sol ainda nascia ao longe, seus raios penetravam serpenteando a fina neblina da manhã. Os corredores ainda frios e vazios ecoavam o som das gotas remanescentes em um último encontro com o chão, a conversa dos pássaros e eventuais passos. Pedra dissera que o castelo é repleto de criados, entretanto que seria incomum ver qualquer um graças ao amuleto que os mantinha invisíveis, "para fins de discrição" em suas próprias palavras. Achei um exagero de certa forma, quem acharia discreto um castelo com servos fantasmas ?

Senti alguém observando constantemente enquanto andava, não seria difícil imaginar os quadros na parede acompanhando meu passo com os olhos petrificados de reis do passado, em suas pinturas eram imponentes, lutadores vorazes, diplomatas impecáveis, seus pensamentos do além invadiam minha cabeça falando coisas do tipo "Fomos nós que montamos esse lugar" "Acha essa viga bonita ? Foi um trabalho bem simples para o meu arquiteto" "Garoto magricelo como a nossa destruição foi parar nas suas mãos ?". Eu sei, cara, de agora em diante eles me lembrariam disso constantemente. Lar doce lar. Por pior que parecesse, ao menos andar no castelo não era um desafio, Pedra havia nos explicado a respeito disso, pessoas costumavam se perder na imensidão de corredores, e por essa razão a iluminação fora planejada mais meticulosamente, com cores diferentes para a direção de cada cômodo comum, suas cores se intensificariam à medida que se aproximasse desses lugares.

Seguia a trilha dos cristais verdes, que deveria levar à sala de refeições, já era capaz de sentir os aromas de favos de mel, as passifloras cincinnatas, bolos, café recém coado já estava servido, minha certeza sobre as comidas não se baseava apenas no olfato, o som de talheres tilintando, arranhando pratos e xícaras estavam mais próximos.

-A longa linhagem dos Height-Forte é certamente admirável não acha ?

A voz de Pedra surgiu atrás de mim. Logo quando a comida estava tão próxima...

-Eu uh...não tinha certeza, achava que esses eram os Andrur.

-Os Andur eram fimini com a pele lisa, diferente dos Height-Forte e sua pele escamosa de merman.

Maldição, sempre esquecia que ela literalmente tinha vivido toda a história do Reino Profundo.

-Tem razão, acho que comecei a delirar com a fome. -Forcei uma risada.

-Parece que sim. -Ela comentava sem a confiança robótica de sempre, como se seus pensamentos estivessem longe dali. -Vim informar que Ludroc espera na Sala das Artes, ao fim dos cristais roxos.

-O que esses cristais indicam ? Temo ter me esquecido.

-O roxo simboliza a alma, não há cor nem conceito que traduza melhor o ritual em que todos vocês estão prestes a entrar.

Sua voz perpetuou pelos pensamentos à medida que se afastava rumo a outra direção.

No fim da trilha roxa, havia uma porta dupla, alta e de madeira, com desenhos de vinhas entalhado em suas extremidades, passando a impressão de que elas se enrolavam ao redor dela. Quando a toquei, o calor percorreu pelo meu corpo, não um calor implacável e que me ferveria vivo , foi algo mais amigável, confortável, encorajador. A abri e o cheiro de cravos flutuou pelas minhas narinas. A sala em si não era grande, passava em pouco a largura dos quartos, e era completamente circular, cinco janelas iluminavam o lugar, começavam no chão e alcançavam uma altura pouco maior que a minha. Haviam alguns travesseiros também, e quem disse que seria uma experiência desconfortável ? Uma tapeçaria estava pendurada na direção oposta também, emoldando o pôr do sol.

O Conto dos Exilados:Reflexos de uma utopia opacaOnde histórias criam vida. Descubra agora