A separação

Màgoa

Marcelo não dorme mais em casa. Um dia ele me mandou uma mensagem dizendo que ia ficar na casa de um amigo. Eu perguntei quem seria este "amigo". Ele não me respondeu.

Agora faz três dias que estou completamente só. Nem sei o que será da casa quando nos separarmos. Vou poder morar aqui? Vamos vendê-la e dividir o lucro meio a meio?

Marcelo pra mim é um homem morto. Eu consegui descobrir quem era a Angela do site de paquera. Eles se conheceram há um ano. E há alguns meses estão num relacionamento sério...

Eu quero que o Marcelo vá pra casa do caralho. E que ele leve esta sirigaita junto com ele. Um inútil destes!

Nem posso descrever minha lástima, dor e a raiva. Tantos sentimentos ao mesmo tempo! Perdi bons anos da minha vida neste relacionamento! Poderia ter arrumado alguém que me valorizasse!

O pior é me olhar no espelho. Perdi dez quilos. Estou menos gorda, mas minha pele está amarela. Sou uma mulher sem vida. A sombra do que fui algum dia.

Antes eu era gorda, mas tinha aquele ar alegre. Uma fofinha jeitosa. Agora só tenho mágoas. A ilusão de ter tido um amor na minha vida.

A sexta-feira chegou e eu apareci desgraçadamente no trabalho. Fiz minhas atividades sem brilho. Eu fui um robô apenas. As clientes queriam conversar e eu respondia apenas o necessário.

À noite pensei em me matar. Mas antesde tomar esta decisão, decidi fazer um passeio. Quem sabe espairecer não iria diminuir minha ansiedade?

Andei pelas ruas. As pessoas riam, andavam de mãos dadas. Estavam em um mundo feliz.

Minhas pernas me guiaram até a casa de Ricardo. Com certeza, ele acharia estranho me encontrar aqui.

Mas eu preciso estar aqui. Eu não tenho com quem conversar. Ele parece ser um cara legal. Talvez possa me ajudar a ver a situação num ângulo diferente.

Apertei na campainha. Uma. Duas. Três vezes. Que pena. Ele não está aqui.

- Ou deve estar na cama agora com alguma mulherzinha. Homem nenhum presta- falei baixinho na frente da porta.

Quando me virei, Ricardo estava chegando à porta de casa. Estava com um saco de compras na mão. "Por que ele nunca usa o carro?", pensei comigo.

Quando me viu sorriu, deixando as compras no chão.

- E aí? Tudo bem?

- Mais ou menos - falei. Agora achei ridícula esta ideia de dividir meus problemas com um estranho. Ele não me conhece e não precisa ficar ouvindo minhas desgraças.

- E você?- perguntei.

Ele procurava as chaves da casa. Quando as encontrou, disse: " Muito bem. Entre. Estava pensando em você estes dias. Desapareceu depois que te ajudei com o programa".

Entramos na casa dele e, como da última vez, tudo estava perfeitamente arrumado. "Oh, eu andei ocupada e tal", disse timidamente. Estava em pé perto da porta.

Ele me disse que eu poderia me sentir em casa e sentar onde quisesse.

Sentei no sofá. Ele sentou ao meu lado logo depois que arrumou as compras na cozinha.

Ele me ofereceu vinho. Eu aceitei. Enquanto bebíamos, não resisti e abri a boca para contar as minhas desgraças. Comecei a falar que estava passando por um momento difícil.

- E agora estou morando só numa casa escura. Hoje pensei... sei lá... sabe...em morrer ... nem posso falar...

Ele segurou minha mão. Fiquei, de repente, nervosa. O toque da mão dele me deu um frio na bartiga. Eu queria que ficássemos assim para sempre.

- Solange, a vida é uma desgraça às vezes. A gente fica no fundo do poço imaginando como sair de lá.

Eu apertei mais a mão dele.

- É assim que me sinto, Ricardo.Marcelo foi o meu companheiro por anos". Senti que as lágrimas queriam cair.

- Eu sei que parece um clichê, mas só o tempo cura estas feridas. Eu sei disso.

Com isso, ele beijou minha mão. Continuou:

-Por que você não procura um hobby? Pintura, ou andar de bicicleta, fitness ou cuidar de um jardim?

- ah, estás falando de fitness por causa do meu peso? - disse irritada, tirando as minha mãos da mão dele.

- Não. Eu gosto do jeito que você é- ele disse segurando no meu joelho.

Eu levantei. Ele continuou sentado. Timidamente, disse:

- Ahm, está ficando tarde. Vou voltar para casa.

Caminhei para a porta.

- Eu te acompanho.

Apesar da minha persistência, Ricardo me levou até em casa.

- Pense no que eu disse, Solange. Um hobby para ocupar a mente, ok?

Me deu um beijo no rosto e se foi.