Marcelo me seguia até a porta do salao onde eu trabalhava. De repente percebi os olhares dos que passavam. Estávamos fazendo uma cena com a nossa discussao anterior. Ele me segurou e disse:
- Desculpe, Solange, pelo que fiz. Eu nao queria te trair. Foi mais forte do que eu. Eu sinto falta das nossas tardes dispersas, das conversas, do tempo que passava devagar entre nós.
Pensei comigo como este homem pode falar do passado depois de ter me feito passar a pior fase da minha vida? Como uma pessoa nao se dá conta da dor que ele me infrigiu? Eu nao queria continuar aquela conversa na frente do meu local de trabalho. Eu nao queria mais abrir minhas feridas.
- Marcelo, nao temos mais nada a falar. Eu vou comparecer no dia da venda da casa. Eu preciso trabalhar.
Ele só me deixou em paz depois que eu prometi encontrá-lo depois que terminasse o meu turno no salao de cabelereiro. Na verdade, pensei em nao ir. Marcamos de nos encontrar no restaurante uma rua adiante do meu trabalho. Espero que ele fique sentando horas, acreditando que eu vou chegar. Ele vai olhar para as paredes e se perguntar por que ainda nao cheguei. Vai olhar pelo vidro da janela e esquecer do tempo.
Eu segui um outro caminho e fui para casa. Durante o percurso pensei por que Marcelo ainda se acha no direito de simplificar o passado. Um pedido de desculpa não vai apagar o que ele me fez. A crise de meia-idade não é o motivo do que ele fez. Ele é um mal cárater. Um safado que jogou a mulher com quem viveu tantos anos por uma outra mulher que ele conheceu tão rápido.
Eu acho que tenho que ser mais intensiva. Na próxima vez vou jogar um pau em cima dele. Ainda que isso signifique fazer um escândalo e que o meu nome seja falado por toda a boca da vizinhança. Desta maneira ele nunca mais terá coragem de falar comigo.
O que me deixa mais triste é que ele acredita que basta um palavra dele que eu vou correr atrás dele de novo. Basta ele aparecer que eu vou me encontrar com ele novamente. Isso jamais acontecerá. Não vou dar chance para ele me humilhar assim.
Confesso que uma parte de mim queria encontrá-lo. Eu queria ouvir de novo que a culpa do fim do nosso relacionamento não foi a minha culpa. O problema não era o meu corpo e a minha personalidade e sim o tédio no nosso casamento. Eu fiquei entre o desejo de ouvir esta mensagem e a vontade de nunca mais olhar para aquela cara de cachorro madruguento.
Será que eu deveria encontrá-lo uma última vez para fechar de vez o capítulo da minha vida? Ou será que eu abriria mais feridas ainda se eu fizesse isso? Com isso lembrei dos tempos felizes que uma vez tivemos e a partir daí tive ódio de mim mesma por ficar dividida entre a raiva e a vontade de resolver de uma vez esta história.
Com estes sentimentos abri a porta da minha casa. Fui ao meu quarto, tranquei-me e chorei. Ricardo, percebendo que eu tinha chegado, bateu na porta e perguntou se podia entrar. Eu disse que não. Não queria que ele me visse assim. Eu estava tão para baixo.
Mas ele abriu a porta mesmo assim e me perguntou por que eu estava chorando. Ele acariciou meu cabelo e disse que eu deveria me abrir. Talvez ele pudesse me ajudar. Fiquei em dúvida se deveria contar o que aconteceu. Acho que iria dar a entender que ainda estou tendo sentimentos pelo meu ex-marido. Será esta a verdade? Nunca mais vou me libertar do trágico enredo do meu primeiro amor?
Basta uma vez revê-lo e me sinto assim deprimida.
Deitei na cama. Olhei para o teto. Entre nós silêncio. Ficamos assim por alguns minutos. Ele sentado à beira da cama enquanto eu pensava em como explicar meu estado de alma agora.
- Meu marido... -comecei a tentar explicar
_ Ex-marido, você quis dizer.
- Sim. Ele foi ao meu local de trabalho e disse que queria convesar comigo sobre o passado. Disse que a culpa era da crise de meia-idade. Eu me senti triste de repente de como o meu plano de viver para sempre num casamento desapareceu. Por que isso tinha de acontecer comigo?
O silêncio voltou entre nós. Ricardo se deitou do meu lado na cama. Ficamos olhando o teto juntos. Ele me pegou na mão e disse:
- Às vezes estas coisas acontecem com a gente e a gente nem imagina como sobreviver a isto. São dores que a gente nem sabe como enfrentar. Mas o que eu acho mais importante de tudo é que você, Solange, pense mais no futuro. Não no passado. Pense no que você quer alcancar para você mesma. Pense mais em você.
- Eu comecei a cuidar do jardim.
_ Sim, mas eu não me refiro ao jardim apenas. Eu me refiro a um projeto maior. Pense em você mesma. Talvez o projeto seja você mesma.
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A separação
RomanceSolange Conceição é agora a sombra do que foi. Uma mulher triste depois que o marido lhe pediu divórcio. Uma história sobre como esquecer um amor antigo.