A separação

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No dia em que Marcelo me disse que queria a separação, fiquei muito infeliz. O que seria de mim? Eu era uma mulher de 40 anos, gorda e era cabeleleira num salão de beleza no nosso bairro. Eu estaria agora sozinha. O sorvete me esperava no refrigerador e eu queria cair em prantos.

Eu não tinha com quem dividir esta desgraça. Meus pais morreram há dez anos e meu irmão é um cão velho que só fala de dinheiro. Outro assunto não existe.

Pensei no que o futuro me esperava. Estava com uma auto-estima bem baixa e se eu não me amava ninguém conseguiria me amar. Nem mesmo Marcelo me amava mais! Eu me olhava no espelho e via uma pessoa com quilos a mais na barriga. Os braços também gordos e as bochechas grandes. Eu fiquei frustrada. Depois de alguns minutos, pensei comigo que a beleza não pode ser medida apenas pelo padrão imposto pela sociedade! Eu sou bonita por dentro! Sim...

Quando eu o conheci, eu era magra e era o centro das atencoes na minha rua. Meu irmão me dizia que eu deveria deixar de ser piriguete e me concentrar num homem que me amasse. A beleza não dura para sempre. Alguém deveria ser meu porto seguro até o fim da vida.

Certo, este alguém deveria ser Marcelo. Agora eu implorava a ele que não me deixasse, mas ele disse que o amor terminou, que não se sentia mais atraído por mim. A culpa, com certeza, não é minha, ele me disse. Ele disse que a culpa era dele. Ele estava numa crise de meia idade. Queria novos caminhos, novas aventuras. Estava sentindo que estava perdendo algo com esta vida tediosa.

Ele achava o casamento um tédio. Estávamos casados há 20 anos. Não tínhamos filhos e passávamos os fins de semana em frente à televisão ou comendo um sanduíche na esquina de casa. Eu disse que poderíamos tentar algo diferente nos fins de semana se este fosse o problema.

- Não. Eu lamento, mas eu estou cheio desta vida. Casamos muito cedo. Esta é a verdade- disse exasperado. No seu rosto, havia um misto de tristeza e lamentação.

Ele saiu da sala onde estávamos conversando. Ele se arrumou no nosso quarto. Colocou uma boa roupa e um perfume e saiu como se nada tivesse acontecido. Eu não sabia que ele tinha comprado um perfume Dolce Cabana... e nem sei para onde ele iria.

Fiquei sozinha pela primeira vez em 20 anos de casamento. Eu me senti uma merda de cachorro jogada na rua. Vinte anos jogados foras! Minha vida é um lixo.

Pensei como Marcelo poderia deixar de me amar assim... O que será que aconteceu? O que eu fiz de errado. Enquanto eu me perguntava isso, uma lágrima caiu no meu rosto.

Afolguei-me nas minhas mágoas sem saber o que fazer. Pedi aos céus que me ajudassem. Mas nada nenhum sinal caiu do céu. Comecei a raciocinar nas minha opçoes. Eu poderia me matar e ele seria o culpado do meu suicidio. Sim, eu poderia pegar uma faca agora mesmo da cozinha e me jogar no chão. Eu imaginava a cara que ele faria. Mas não... pra que eu vou fazer isso? A vida é um presente de Deus. Eu me senti mal de sequer pensar nesta possibilidade.

A outra opção seria procurar um site de paqueras. Talvez eu possa mentir que sou magra e linda. Eu quero me sentir desejada de novo. Posso montar uma foto fake minha. Ah, eu não sei usar nenhum destes programas de computador como o fotoshop. Talvez eu possa usar uma foto antiga minha. O que eu sei é que eu poderia me destrair de pensamentos destrutivos.

Momentos depois eu ainda não sabia o que fazer. A mim não parecia certo colocar uma foto fake minha num site de paquera apenas pelo prazer de me sentir atraente. Isso não me leva a nada. Quem se interessar por mim vai se interessar por um mulher que não existe mais: uma mulher magra e bonita de vinte e poucos anos.

Eu não senti vontade nenhuma de comer. Fiquei vegetando pela casa.

Decidi acessar a internet para espairecer. Marcelo tinha saído há horas e me disse antes que estava entendiado. Entediado estamos todos nós. Eu também tenho tédio, mas nem por isso pensei em nenhum momento em deixá-lo. Ele também não é tão atrante assim. Ele também engordou um pouco.

Sozinha comecei a chorar de raiva. Não sei em que momento consegui dormir ali mesmo no sofá de casa. Sonhei que ele me implorava para que voltássemos a ser um casal. Me sonho foi tao bonito e real.

Quando acordei de manha percebi que tinha que me apressar. Eu teria que me arrumar para ir ao trabalho. Marcelo estava na cozinha tomando café e comendo um bolo. Falamos um bom dia frio um para o outro.

- Desculpe, Solange, eu não queria que tudo terminasse assim. Mas eu preciso me acertar na vida.

- E isso significa me jogar na lata de lixo depois de tantos anos de casado?

Eu fiquei em fúria.

- Não é jogar no lixo. Eu tive bons momentos com você, mas agora quero ser livre.

Fiquei mais em fúria ainda. Ser livre? Que otário! Peguei um copo, enchi de água e joguei em cima dele. Ele ficou espantado com a minha reação.

- Vai pro inferno, Marcelo!

Ele ficou na cozinha ainda espantado com o que eu tinha feito.

Eu me arrumei rápido no quarto. Ouvi a porta se abrir.

- Nossa, Solange. Não precisa ser agressiva assim! Nós temos que ser civilizados.

- Civilizados o caramba!

Saí de casa exasperada. No caminho para o trabalho pensei em como a minha vida é um lixo mesmo. Quem vai me querer agora? Ninguém!

No trabalho cortava o cabelo sem entusiasmo. Quando alguma cliente dizia que havia sido traída eu dizia que homem nao presta. Eu tinha um ar de funeral hoje tao grande. Eu parecia ter enterrado uma mae ou um pai hoje. Na verdade, eu acabara de enterrar um relacionamento.

Na pausa do almoco minha amiga Cleyde tentou descobrir o que havia de errado comigo:

- Você está tao triste hoje. Aconteceu algo errado?

- Sim. Meu marido, Marcelo, me deixou... DIsse que estava cansado do casamento e que está com uma crise pessoal- disse entre lágrimas.

Depois de me consolar por alguns momentos, disse:

- Você nao acha que ele está te traindo?

Nao pensei nesta possibilidade. Marcelo nao teria este caráter! Nao!

- Acho que nao.

- Hum, por que você nao olha no celular dele?

- Vou fazer isso, sim!

Se Marcelo estiver me traindo, eu vou descobrir e vou nao jogar apenas água nele, como vou cortar o pinto dele em picadinhos!

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