Capítulo III - Cidade Verde

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-Márcio tirou um cigarro do bolso e começou a falar - cara, não dá pra entender, sério, eu saio por alguns minutos da vila para vir te visitar e eu volto e tá tudo assim...

-E a menina?- Rafael perguntou.

-A menina, bem, a menina, ela é um enigma até para mim, acredita que só ela estava viva na Vila? Tudo estava destruído e caótico e lá estava ela, como um anjo - respondeu Márcio.

-Cara, isso é realmente muita loucura mesmo, vou falar com os chefes do exército daqui para reforçar as defesas e evacuar a população.

-Vou ver como a menina está, espero que se recupere de tudo isso.

Jogou o cigarro no chão de grama rasa e pisou em cima dele de tal modo que apagou, a cabeça de Márcio estava para explodir, havia arranjado praticamente uma filha para cuidar e não fazia a mínima ideia de como realizar a função de pai, nem almejava isso antes e agora essa bomba caiu em seu colo. Márcio entrou pela porta do quintal, nos fundos da casa de Rafael, ali era como um porto seguro para ele nos piores dias de sua vida, essa era uma dessas situações, e como, ele estava com uma dor de cabeça que latejava, cada passo que dava no piso de madeira da casa muito fria de seu amigo era uma pontada na cabeça, a luz estava fraca e Márcio não reclamava disso, muita luz só pioraria toda a situação, estava tudo tão ruim que qualquer coisa boa era motivo de extrema felicidade para ele.
Chegou a porta do quarto de visitas da vasta casa de Rafael, sua família era muito rica e ele herdou toda a herança, ainda assim a casa se mostrava humilde diante toda a fortuna que Rafael acumulava, até porque ele focava seu dinheiro para instituições de caridades que estavam por todo o canto após o apocalipse tecnológico. Havia somente um armário e uma grande cama de casal no outro canto do quarto, a menina dormia de uma maneira muito calma que até assustava Márcio que estava tão confuso com toda a situação, pensou que deveria se inspirar na calma da criança para não surtar de loucura naquele exato momento, admirou por alguns momentos a garota e foi embora para que ela não acordasse.

-Rafael, tô indo dormir agora, sério, muito obrigado por tudo o que você sempre faz por mim! - Márcio disse.

-Relaxa, sempre que você precisar me chama e... cuidado essa criança precisa de você agora, é melhor largar esses seus vícios.

Márcio riu e saiu dando meia volta balançando a cabeça negativamente, Rafael o fazia bem mesmo assim, era o irmão que ele sempre quis. Márcio pegou um colchão e deitou no chão ao lado da cama da menina, se ela acordasse de noite ele estaria ao lado para ajudar e mesmo sem nenhuma experiência Márcio acreditou que isso fosse uma coisa boa. Muito diferente do sono calmo da garota, Márcio estava com o sono extremamente agitado e não conseguia dormir direito, acordou após um pesadelo terrível que lembrou os velhos tempos de sua vida.

Lisboa, 2159:

Márcio tinha cinco anos nessa época, estava andando com sua mãe na rua para ir a uma padaria comprar o café da manhã, o dia já havia começado mal, mais uma briga entre seu pai e sua mãe e muito choro da parte de Márcio, não tinha muito o que fazer, era simplesmente uma criança amedrontada diante o mundo obscuro que os adultos apresentavam. Como criança, Márcio não tinha vontades muito concretas, mas sabia que jamais queria ser adulto, parecia chato. Sua mãe fugiu brava e o levou junto com ela, nem ligava mais para ela puxando seu braço, isso havia passado de algo raro para algo muito corriqueiro, seu braço já estava até resistente, porém havia algo diferente e ele percebera isso.
Sua mãe não disse uma palavra, sempre quando havia brigas ela falava aos montes de uma forma que ficava chato, somente o levava para certo lugar que agora já não parecia mais ser a padaria, sua mãe mudou a rota e agora ele estava ficando com medo, seu coração começou a palpitar, Márcio encheu o peito e tomou coragem para falar com sua mãe.

Cavaleiros da noite: a ascensão da escuridão Onde histórias criam vida. Descubra agora