Prólogo

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A cidade, de certa forma, estava em silencio. Havia barulho, muito barulho... Mas não da maioria. Silencio, por assim dizer, dos inocentes – simplesmente espectadores que não queriam estar ali.

Os nobres se sentaram no alto das sacadas dos prédios, hospedando ao seu lado os estrangeiros da capital. Eles cochichavam, gritavam e sorriam em espera ao “grande espetáculo”.

Havia no meio da multidão logo á baixo deles, os que com medo não se pronunciavam – e entre estes se dividiam os a favor do que estava acontecendo e os contra. Ambos sabiam que seria perigoso proferir qualquer palavra sobre os dois lados. Esse era o maior motivo para a causa do silencio tortuoso em volta do palco montado no centro da grande praça da cidade. O outro seria possivelmente o senso de justiça, que, por mais que fosse o mínimo, seria o silencio.

A cruz de uma madeira mais escura com galhos e fenos ao seu redor chamava atenção. Mas o foco de todos foi quando se ouviram as marchas vindas em direção ao local. Os aldeões deram passagem ou foram puxados para deixar quatro guardas, vestidos com armaduras imponentes e espadas á mostra. Dois à frente e dois atrás.

No centro se encontrava a prisioneira.

Não estava magra, com muitos machucados ou a sujeira preta das masmorras do castelo. Ela havia sido pega dois dias antes – e essa talvez fosse a execução mais rápida da história. Os olhos vermelhos olhavam para baixo, mas no instante em que a sombra de uma das casas se foi, ela ergueu a cabeça para olhar para o céu limpo e de poucas nuvens.

Os pés descalços da mulher pisaram nos degraus do palanque. Passo por passo, sem encarar os homens de trajes chiques no alto das construções. Seus braços foram amarrados na grande cruz, e ela se viu suspendida no meio dos galhos colocados ali. Os cabelos prateados estavam bagunçados e balançavam com o vento que se tornara mais forte.  O rosto delicado fora sujado, mas ainda sim, possuía beleza. A multidão no chão em silencio e os estrangeiros gritando para ela.

O calor abaixo de seus pés começou. O fogo fora posto. Seus olhos procuraram no meio da multidão. No meio dos olhares assustados, revoltados ou simplesmente iguais aos ignorantes nas sacadas, eles se focaram um momento depois em outro par, que se derramava em lágrimas desesperadas.

Os gritos aumentaram e o tempo fechou. Nuvens pretas surgiram e brisas se transformaram em ventos fortes que por mais que tentassem, não apagaram o fogo. Ela olhou em volta com tristeza.

E então, como se fosse a última vez, a mulher procurou de novo. Achou o homem, com os olhos pretos molhados e vermelhos no mesmo lugar de antes. Seu corpo tremia e os soluços silenciosos em sua direção fizeram o coração da mulher se contorcer.

O fogo tocou seus pés e ela sorriu. Um sorriso sem dentes em sua direção com uma lágrima que caíra no último instante. As chamas cresceram de uma vez, espantando a todos e engolindo a figura da moça. Elas desceram e o temporal cessou.

Não havia ossos nem ao menos cinzas. As cordas balançando foram as únicas testemunhas do que estava na cruz.

A bruxa desaparecera.

O homem se encolheu ao chão. As lágrimas molhavam o tecido branco bordado que ele segurava. Os braços tremiam, mas as mãos se controlavam para segurar direito o embrulhinho de vida dentro dele. O bebê dormia, sem saber ou entender o que acontecera.

Uma mãozinha pequena encostou-se a seu braço e o abraçou. A menininha de cabelos pretos permanecia em silencio envolvendo a irmãzinha e o pai. Seus pequenos pontos em vermelho ao redor da íris preta se fecharam em silencio. O mesmo silencio que a bruxa fizera.

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