1. Euforia De Viagem

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31 de Agosto de 1981, Segunda-Feira. 

A euforia tomava conta do Porto De Vigo, e todos os meios de comunicação da Espanha noticiavam a partida do grande navio. De cartazes espalhados ate jornaleiros apressados, correndo para garantir a venda de todos os seus exemplares. Vários caminhões pequenos e carros de passeio, utilitários, veículos em geral, buzinavam em busca de conseguirem um espaço para passar.

Emburrada, a jovem Iasmin esperava impaciente. — Escuta, quanto tempo nós vamos ficar parados aqui, hein? 

— Iasmin, querida, se acalme. — Do seu lado, sua irmã Iolanda, sempre tentando passar de boazinha. 

Todo o porto se aquietou quando viu surgir uma ponta tricolor no horizonte: fundo azul, perto da linha da água, no meio, totalmente pintado de preto, e a parte superior pintada de branco. O bico logo se mostrou um imponente navio, sua ponte de comando comprida chamava atenção no horizonte. Imediatamente, o navio buzinou e o porto entrou em festa. O comprido navio aportava em Vigo, e logo que parou, soltando vapor imenso pelas três chaminés azuis, as pontes de embarque foram posicionadas. 

— São... 10h55. Não vai dar tempo, o embarque termina as 11h30, e o navio parte ao meio dia em ponto. Eu vou, se quiser, fique. 

Iasmin desceu do veículo, batendo a porta atrás de si. Com a pequena mala de bordo na mão direita, uma bolsa carteiro pendurada a tira colo e a bolsa com alça de corrente no ombro esquerdo, andou apressada, chamando atenção em seu terno bordô. Com a mão, ajustou o óculos de sol no rosto e seguiu viagem. De longe, viu um grupo de homens, e já deduziu que eram todos os responsáveis pela grande embarcação.  Aproximou-se deles, dando um abraço no mais alto de todos eles. 

— Carlos Enrique Villanueva, você fez um ótimo trabalho, embora existam melhores. 

— Você viu? Inteiro para você, construi pensando em você. Construímos, na verdade. Sem o senhor Antônio, nada disso seria possível. 

Iasmin cumprimentou a todos. Por um momento, se sentia feliz. Esqueceu do tanto que se sentia forçada a se casar com esse homem tão arrogante, que se fazia se passar por bonzinho, apenas pela vontade do pai. Olhou para ele, vendo o quanto era bonito. Não seria dificil amá-lo se ele não fosse de tão mal trato, de tanta falta de educação. 

— Cadê minha cunhada, ela vem? 

— Vem aí, olha. — Carlos apontou para um carro que se enfiava em meio a multidão. Exuberante em meio aos demais, a cunhada de Iasmin saia do veículo, sendo cercada por um bando de jornalistas. 

"— Senhorita Júlia Villanueva, é verdade que você está indo ao Brasil para gravar uma novela?"

Retirando os óculos escuros, ela sorriu: — Sim, fui convidada para um papel principal em uma nova novela que está sendo rodada no Brasil, através da emissora da qual eu trabalho aqui na Espanha. Não posso mais dar detalhes meus amores, com licença. — A atriz se apressou em direção ao distinto grupo. 

Iasmin andou apressada até Júlia, e as duas se abraçaram forte, matando a saudade. — Minha deusa, tamanha produção apenas para vir me ver? 

Júlia deu uma rodopiadinha. — Claro, eu tenho que me pôr bonita para vir lhe ver, não é? Você está sabendo do babado? Vou abrir a noite de gala da viagem. 

— Sério? Bem, então vamos indo, temos muito para conversar!

Iasmin e Júlia acenaram para os que ficavam e subiram a ponte. Tudo parecia lindo, era como se fosse um sonho, menos para Iasmin. Para ela, era como se estivesse sendo acorrentada, levada a força para se casar com um homem que não amava o suficiente para tal. Os homens também avançaram, ninguém queria se atrasar. Iolanda surgiu em meio a multidão, dando o braço para Carlos Enrique. 

— Bom dia, cunhadinho.

— Iolanda. Como vai?

— Bem, ansioso para a viagem? 

— Muito ansioso, e você? 

— Demais. Nossos planos estão todos de pé? — Iolanda ergueu a mão, deixando a mostra uma pulseira prateada. 

— Todos de pé. 

Atrás dele, Antônio Banderas, o engenheiro chefe do navio, que viu toda a cena. — Carlos está traindo a noiva com a irmã dela...

***

— Capitão, são cinco pro meio dia.

— Liguem os motores. Vamos dar início a nossa viagem, companheiros? 

O capitão, Arthur Magno, era o preferido para as viagens inaugurais da companhia. Um marinheiro girou o telégrafo de máquinas para a posição indicada e logo o navio começou a tremer. Quase todos os 1850 passageiros a bordo estavam no convés, dando adeus para os que ficavam. As 3 hélices quadruplas, com sua lâminas redondinhas, apareciam apenas um pouquinho para fora da água. Com a ajuda de navios menores, o SS Princesa Isabel De España começou a se mover lentamente para fora do Porto De Vigo. A euforia do Porto diminuía conforme o navio se fazia pequeno no horizonte. Uma buzina de vapor do navio foi o último contato do mesmo com a Espanha, para onde jamais retornaria. 

***

O salão de jantar foi fechado, com suas portas ornadas em arabescos prateados, trancadas e veladas por dois seguranças. Lá dentro, os executivos do "Isabelita" (apelido dado pela imprensa) conversavam. Antônio fazia suas anotações em um quadro negro, aos olhos atentos dos demais.

— Saímos ao meio dia em ponto do Porto De Vigo rumo ao porto de Santos, contando 8.305 quilômetros, seguindo a rota original. Contando que não teremos nenhum empecilho, viajando em uma velocidade de 24 nós, avançaremos 1056 quilômetros por dia sem nenhuma parada. Em 8, no máximo 9 dias, estaremos no destino. 

Carlos levantou a mão, e o engenheiro assentiu, dando-lhe a palavra: — Diga, Carlos. Alguma dúvida?

— Por onde a rota passará?

— Contornaremos a Ilhabela, passando alguns quilômetros rente a costa. 

O capitão se levantou. — Mas isso é arriscado demais! A Ponta Pirabura tem um magnetismo surreal, pode confundir nossos sistemas. 

— Capitão, usamos um sistema de radar avançado, não seremos afetados pelo magnetismo. 

— E se por ventura o sistema falhar? Paramos o navio, e lançamos foguetes aos céus para avisar de nossa presença?

— É uma boa ideia, capitão. — Disse Carlos, satisfeito. 

O comandante bateu o punho na mesa. — Vocês estão doidos?! Existem casos documentados de que o magnetismo da Ponta Pirabura já causou acidentes. O Príncipe De Astúrias, por exemplo. Eu não admito essa irresponsabilidade, não no meu navio!

O capitão, que era branco como papel, ficou vermelho de ódio. Todos os homens se olhavam, amedrontados. 

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