13. Prisão Matrimonial

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Era exatamente aquilo que Iasmin queria. Se recusava a casar debaixo daquele estúpido vestido branco, vestindo também uma falsa máscara de felicidade, como se fosse o sonho da sua vida se unir com aquele verme. Sob os olhos curiosos daquelas dezenas de convidados, a advogada desfilou sozinha pelo tapete vermelho. O vestido tomara-que-caia, originalmente designado para uma das festas noturnas após o jantar, se destacava na pele clara de Iasmin. Muito dona de si sobre as sandálias de salto-alto, posicionou-se em seu lugar perante o capitão e entregou o buquê de flores roxas (que havia pego do quarto) nas mãos de Júlia. A atriz, preocupada, abraçou Iasmin e sussurrou em seu ouvido. 

— Você tem certeza, Iasmin? Cadê o seu vestido?

— Rasgou... — De cara fechada, Iasmin se afastou e voltou a manter a postura imponente diante do altar.

Carlos, que nada disse, estava tentando decifrar o ocorrido. Iolanda, no fundo do salão, torcia internamente para que aquilo tudo acabasse mal e Carlos ficasse livre para que ela pudesse pegar os restos que sua irmã deixaria para trás. 

— Podem se sentar. — Arthur, muito sereno em seu terno branco, começou o discurso do casamento. — Eu, usando dos poderes que me foram concedidos como capitão deste navio, inicio o matrimônio entre Carlos Eduardo Villanueva e Iasmin Reyes. Diante da onipresença do Senhor e dos convidados que prestigiam esse ato, eu lhes pergunto: Carlos e Iasmin, é de livre e espontânea vontade que o fazeis? 

Seca, Iasmin murmurou a palavra "sim". Estava lá porquê queria, mas mesmo assim, se sentia acorrentada, obrigada. Carregaria em suas costas a vida de quase mil e oitocentas vidas humanas. 

— Carlos e Iasmin, dai-vos um ao outro a mão direita. Carlos Enrique Martinez Villanueva, é de livre e espontânea vontade que aceitas Iasmin Vianna Reyes como sua legítima esposa? 

— Sim, capitão. — Sem pestanejar, Carlos colocou a aliança no dedo anelar da advogada. 

— Iasmin Vianna Reyes. — Prosseguiu o comandante. — É de livre e espontânea vontade que aceitas Carlos Enrique Martinez Villanueva como seu legítimo esposo? 

Silêncio no salão. Com o olhar vazio e o belo rosto ausente de expressão, Iasmin sentiu o peito arder em chama ao notar a presença de Matheus na porta do lounge, ali ao lado. "Pense com carinho, Iasmin. Vou estar esperando por você". As palavras do segurança grudaram como super cola na alma da advogada. Naquele momento, Iasmin levantou as sobrancelhas e abriu a boca, mas nada disse. 

— Eu...

Duas mil almas, duas mil almas, duas mil almas... Iasmin viu diante de seus olhos a imagem do grande navio sendo engolido pelas águas do Oceano Atlântico. Se não tivesse a chance de assumir a companhia, poderia nunca mais tornar a ver Matheus. Sabia que os perigos que cercavam o navio eram imensos, um tremelique poderia romper o tubo da hélice e afundar o navio em questão de poucas horas. E, com a ausência de recursos de salvamento o suficiente para tantas pessoas, as chances de sobrevivência não passavam de 40%.

— Eu aceito. 

Um lágrima salgada escorreu pelo rosto frio de Matheus. Seu castelo de cartas estava destruído. Matheus permanceu ali, de pé, esperando que um surto de lucidez passasse pela cabeça de Iasmin, mas isso não aconteceu. Sentindo o peito arder, e suas esperanças caírem ao chão, afastou-se lentamente da porta e caminhou lentamente pelo convés, virando o corredor que dava fim à construção do deck de passeio e descendo as escadas em direção ao convés inferior. 

*****

— O cônjuge mulher, Iasmin Vianna Reyes, passa a usar o nome do esposo, passando a assinar Iasmin Reyes Villanueva. Usando do poder concedido à mim pelo governo da Espanha, eu os declaro marido e mulher. Que essa nova vida seja repleta de felicidades e prosperidade para ambas as partes. — Assim que terminou os últimos votos, Arthur deu dois passos para trás, dando lugar ao juiz de paz, que começou seu discurso assim que Carlos colocou o último "a" de sua assinatura, dando a caneta para Iasmin, que assinou tanto com o nome de solteira, como com o de casada. 

— Conforme ordena o contrato de casamento assinado pelas duas famílias, a administração da Víllanueva e Associados Líneas Marítimas Internacionales passa a ser de total responsabilidade do cônjuge mulher, Iasmin Reyes Víllanueva, que deve suprir com o necessário para o bom funcionamento da mesma. Esta é a única cláusula excepcional do casamento, visto a adoção do regime de comunhão parcial de bens. — O homem engravatado pegou o livro e entregou para um mensageiro, que o levaria para os atos necessários com o tal. 

Carlos teve de se apoiar na mesa para não cair no chão. Em seus planos, apenas iria contar para Iasmin que ela seria a nova presidente da companhia quando desembarcassem no Brasil. Engoliu em seco, não podendo mais tomar nenhuma atitude sobre isso. Iasmin se levantou, virou-se para os convidados e ergueu uma taça de champanhe para o alto. — Vamos à festa!

Ao som de "Vinho, Mulher E Canção", de Strauss II, a orquestra do navio embalava dezenas de casais no salão de jantar. O imenso átrio, decorado suntuosamente para o casamento, e muito bem iluminado, estava repleto de corações apaixonados que assistiam ao mais novo casal dançar a valsa no meio do salão, iluminados pelo lustre de cristal que pendia em todo seu esplendor. Por fora, Iasmin era tudo que precisava ser: uma noiva aparentemente alegre, satisfeita com o novo rumo de sua vida. Por dentro, ela estava gritando. 

*****

A buzina de vapor tocou sorrateiramente, fazendo o vigia do cesto de gávea dar um pulo de susto. — Que porcaria! Eles podiam pelo menos avisar quando essa droga vai tocar, não é?

— É, pode ter certeza de que eles vão ligar para cá avisando que a buzina vai tocar antes de colidirmos com outro navio, caso haja um encontro na neblina. — O outro vigia cruzou os braços, fitando o horizonte. — Estamos virando. Não parece?

— Parece mesmo... Estamos mudando de curso, porquê será? 

— Não sei, devemos avisar a ponte?

— Não, não. Pelo que me parece... — O homem colocou os olhos nas aberturas do binóculo, a fim de observar a ponte de comando logo ali abaixo. — O primeiro oficial está lá. O capitão deve estar no casamento da bonitinha, noiva do dono do navio. Deixa quieto, eles sabem o que estão fazendo. Aceita um cafézinho?

*****

Quando o conjunto terminou a valsa anterior, as luzes do palco se apagaram, e os convidados chegaram à conclusão de que eles estavam fazendo uma pausa. Mas, segundos depois, uma figura masculina surgiu sorrateiramente e as luzes se acenderam lentamente. Iniciando os primeiros acordes, logo uma canção pode ser ouvida no salão. 

— Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça; É ela menina que vem e que passa; Num doce balanço a caminho do mar...

Para a surpresa de todos, Arthur subiu no palco e pegou o microfone. Estava realmente soltando a voz, e era uma voz muito bonita. Grave, mas suave. Completamente derretida, Júlia observava boquiaberta enquanto Arthur brilhava no palco. Matheus observava sorridente do alto da escada, escondido. 

— Tá se escondendo de mim? — Iasmin, que deu a volta e subiu pela escadaria principal (ambos os andares acessavam o salão), surgiu de detrás de um pilar e surpreendeu o segurança. 

Matheus ficou sem palavras naquele momento. Fingiria normalidade ou, talvez, abrisse seu coração, expondo a expectativa que havia criado quanto ao romance?

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