15 dias depois
Júlia ( narrando)
Acordo cedo, sentindo o peso de uma noite mal dormida. Depois de um banho rápido, desço as escadas e encontro Ana na cozinha, tomando café sozinha. Ela olha para mim com um sorriso leve, mas há algo em seu olhar que denuncia uma dor que vai além das palavras.
— Bom dia — ela murmura.
— Bom dia — respondo, tentando manter o tom leve.
Ana mexe na xícara, pensativa. — Como foi o treino de ontem?
— Foi... foi bem — respondo, mas minha voz sai distante.
Ela hesita, olhando para mim como se estivesse decidindo se deve ou não continuar.
— Tá tudo bem, Júlia? Você parece tão distante...
Suspiro, e então as palavras saem antes que eu possa pensar. — Eu poderia dizer que sim, mas não está, Ana. Você me disse que eu não entendia o que você sentia, mas... eu sei, mais do que você imagina. Quando eu tinha apenas dois anos, atacaram minha alcatéia. Mataram todos, inclusive meu pai. Pouco depois, minha mãe adoeceu e... se foi. Fui criada pelo meu padrasto, e ele... ele me assediava todos os dias. Eu sei muito bem o que é dor, Ana. E entendo o vazio que ela deixa.
Ana olha para mim, os olhos marejados de surpresa e culpa.
— Júlia... eu... me desculpa, eu não sabia.
Engulo em seco e forço um sorriso breve, para disfarçar o aperto no peito.
— Eu preciso ir — digo, tentando me recompor.
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Vou até a estufa para encontrar Sabine. Ela está sentada, absorta em seus próprios pensamentos, mas assim que me aproximo, ela levanta o olhar.
— Bom dia, Júlia.
— Bom dia, Sabine.
Ela franze a testa, percebendo meu estado. — Você não deveria tratar Ana assim, Júlia. Ela também sofreu, talvez tanto quanto você.
Olho para o chão, incapaz de sustentar seu olhar. — Quando terminar aqui, vou conversar com ela.
Antes que possamos continuar, Ana entra, caminhando em nossa direção com um ar confuso. Santiago também está lá, ao lado dela, e há algo entre eles, uma tensão inexplicável. De repente, Ana cambaleia e cai no chão, segurando o peito com uma expressão de dor intensa. Ao mesmo tempo, Santiago leva a mão ao próprio peito, como se sentisse a mesma dor.
Sem pensar, faço o feitiço de cura que aprendi recentemente para amenizar a dor deles, mas ambos desmaiam logo em seguida.
— Lucas! — grito desesperada. — Vem rápido!
Em poucos segundos, Lucas aparece, os olhos arregalados ao ver Ana caída no chão.
— O que aconteceu? — ele pergunta, com um tom urgente.
— Eu... eu não sei. Eles estavam bem, e então... desmaiaram — respondo, tentando processar tudo.
Sabine observa a cena com uma expressão que mistura compreensão e pesar.
— Eles são companheiros.
Lucas franze o cenho. — Companheiros? Mas... como assim?
Sabine suspira. — A ligação deles é antiga, Lucas. É uma marca no peito que une suas almas, uma dor tão profunda que parece arrancar o coração. É um elo raro... e cruel.
Sinto uma angústia inexplicável, uma dor que vai além das palavras.
— Eu não sabia que era possível — murmuro, observando Ana e Santiago ainda desacordados.
Lucas se ajoelha ao lado da irmã, acariciando seu rosto com uma ternura silenciosa. — Vai ficar tudo bem, Aninha — sussurra, mas a incerteza transparece em seu olhar.
Nesse momento, um homem entra na sala, chamando Lucas de canto. Tento me concentrar em Ana, que começa a recobrar os sentidos, mas as palavras de Lucas e Sabine ecoam ao fundo.
— Você disse que estava do nosso lado! — Lucas sussurra, confrontando Sabine.
Ela o encara, com o semblante sério. — E estou, Lucas. Muitos vampiros também estão.
— Então, por que atacaram os nossos na fronteira?
Sabine aperta os lábios, a raiva misturada com resignação. — Nem todos aceitam, Lucas. A maldição que nos separa... alguns ainda a seguem como lei.
— Devia dar um basta nisso — ele responde, a voz amarga.
— Acha que não tentei? — Sabine rebate, com a voz carregada de mágoa. — Mas alguns bruxos oferecem curas, promessas... é sorte que a maioria esteja conosco. O resto... o resto é um fardo que teremos de carregar.
— Basta — interrompo, exausta. — Ana, você está bem?
Ela abre os olhos devagar, confusa.
— O que... o que aconteceu?
— Você desmaiou — explico, com um sorriso reconfortante, tentando acalmar sua confusão.
Santiago, ao lado dela, tenta se recompor. Ele ainda está ofegante, mas consegue falar.
— Nunca imaginei que a dor seria assim...
Ele olha para Ana, o olhar carregado de algo profundo. — Está tudo bem com você?
— Sim... — responde ela, o olhar igualmente intenso.
Por um momento, há algo ali, algo que vai além das palavras e que, de certa forma, eu sinto que não deveria presenciar.
— Vamos deixar que eles conversem — sugiro, puxando Lucas para fora da sala.
Lucas hesita, mas acena, embora seus olhos permaneçam fixos na irmã. Quando finalmente saímos, o silêncio entre nós é pesado, e só consigo desejar que esse vínculo seja um alívio para eles, ao contrário da dor que carreguei.
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Ana (narrando)
Observo Santiago, ainda tentando compreender a intensidade daquele momento.
— Nunca pensei que... que seria você — murmuro, sentindo o peito pesado com tantas perguntas.
Ele sorri, um sorriso cansado, mas carinhoso. — Estava me perguntando quando você apareceria, minha loba.
Engulo em seco. — Você... você sabia?
— Desde criança, somos ensinados a reconhecer nossa companheira. Quando te vi pela primeira vez, na floresta, senti no mesmo instante. Mas você... ainda estava em luto. Eu não podia interferir.
Sinto um nó na garganta. — É... é tudo tão confuso.
Ele suspira, e seu olhar se suaviza. — Desde que nasci, Ana... eu já te amava.
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cuidarei da loba / Concluído
WerewolfComo minha história se inicia aqui mesmo vou logo dizendo que os vampiros não queimam no sol e só tem a fraqueza da estaca de madeira. A muito tempo os lobos e os bruxos viviam em harmonia porém as alcatéias se atacavam constantemente não existia um...