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Com 12 anos descobri que os meteorologistas não dão os nomes dos furacões lembrando de pessoas que eles odeiam.

Me lembro exatamente a primeira vez em que ouvi tia Katia gritando para o meu pai "Essa menina é um furacão, destrói tudo por onde passa". Eu ainda usava marias chiquinhas e tinha passado correndo pela cozinha brincando com meus primos e derrubado, sem querer, uma bacia com massa de bolo. Hoje, com uma voz doce, numa tentativa de tentar criar uma pseudo fofa memória de infância, minha tia me chama de "meu furacãozinho", não ou talvez muito ironicamente, o que sinceramente, me faz ter cada vez mais desapreço por ela.

Tia Katia sempre me odiou sabe, sempre tive plena consciência disso. Quando menor não entendia bem o porquê, e sinceramente as vezes esqueço como entendo. Mas essa vontade de repetir inúmeras vezes para uma criança que ela era um desastre e rindo debochada falar "Furacão Júpiter chegou" quando eu, sei lá, derrubava uma folha de papel, colocou na minha cabeça quando pequena, que os meteorologistas deviam ter uma lista de ódio para colocar de nome dos furacões mais terríveis e avassaladores.

Imagina a cara da minha eu de 12 anos, quando descobri que a OMM, Organização Meteorológica Mundial, quem cria uma lista de nomes para os furacões. Sério, nada envolvendo cientistas putinhos por terem sido traídos por ex, nenhum nome para homenagear em puro desprezo o cara que arranhou o seu carro, ou, não sei, nenhum furacão para você relembrar sua sobrinha, que é filha adotiva do seu irmão, a qual você genuinamente odeia.

Decepcionante.

Descobri nessas pesquisas, que o NHC, o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos, teve que colocar em sua sessão de perguntas e respostas, um tópico esclarecendo que os nomes são estabelecidos por um comitê internacional, porque as pessoas pediam e queriam que houvessem nomes de furacões com os seus ou de familiares e pessoas amadas. Sério. Para uma pessoa que você odeia? Okay! Mas definitivamente muito mórbido para qualquer homenagem bem intencionada.

Agradeço muito que provavelmente nunca irá existir um furacão Júpiter. Agradeço também ao meu pai por ter me dado um nome nada convencional que impossibilita ser utilizado para nomear desastres naturais, afinal, antes de nome de gente, é nome de astro. Júpiter, o maior planeta do sistema solar e o quinto mais próximo do sol, gasoso e com uma paleta de cores bem a desejar.

Ah, e não pense que meu pai apenas acordou um dia e pensou, uau, minha filha vai se chamar Júpiter. Tipo, ok, existem nomes mais, digamos, exóticos. Júpiter é bonito, unissex, tem representações que vão de Deuses a planetas, mas ainda sim nada comum. Papai é professor de Astronomia (e física também), faz sentido né? Professor Marco Aurélio tem tendências interessantes a nomes astronômicos, se percebe pelo nome das nossas plantinhas: Andrômeda, Ursa Maior, Ursa Menor, Pégaso, Fênix e Órion.

Nem os gatos foram poupados desse vicio. Acrux já estava aqui quando cheguei, pelo menos lembro dele desde que me entendo por gente. Ele era um gato velho, preguiçoso e mal humorado, parecia vestir meias brancas em sua pelagem negra, gostava de dormir debaixo da cama e apesar de parecer enfezado 24h por dia, acho que entendia o sentimento das pessoas, bastava se sentir um pouquinho pra baixo, que logo ele estava esfregando-se em suas pernas e ronronando. Acrux, a estrela mais brilhante do cruzeiro do sul, espero que agora o nosso seja realmente uma dessas estrelas brilhantes no céu.
No meu aniversário de 10 anos, estávamos sofrendo com a perda de Acrux já fazia 2 anos, meu pai me deu o Cometa. Dourado, energético, carente e jovem, Cometa é o extremo oposto de Acrux, porém acho que, de alguma forma, eles teriam se dado bem.

Neste exato momento estou escutando meu pai gritando com cometa no seu escritório, dias de domingo ele tenta gravar vídeo aulas para seu canal no Youtube em seu estúdio adaptado. Eu sei quando não posso fazer barulhos ou entrar no escritório, cometa nem liga. Já ouvi meu pai chamando meu gato pelo seu xingamento personalizado pela terceira vez hoje "Saia daqui sua poeira cósmica irritante", adoro como o gato realmente fica sentido com isso, mas só o deixa mais sapeca e determinado.

Acho que devo terminar isto antes de precisar pegar Cometa, não faço ideia se posso pausar essa gravação ou o quanto estas fitas duram.

Sabe, isso aqui não tem nenhum intuito trágico que você viu em uma série adolescente, eu só achei um gravador com um amontoado de fitas vazias que meu pai abandonou. De acordo com ele, iria usar para planos mirabolantes quando menor, pediu fitas vazias a todos os seus amigos, familiares, vizinhos, mas com o tempo foi parar numa caixa velha no fundo do armário. Existiam 33 fitas, meu pai retirou 9, as quais disse ter usado, mas não comentou sobre o conteúdo. Me restaram 24 fitas. Vou gravar 2 vezes por mês, e esse será meu diário gravado que eu tanto sonhei em fazer durante minha vida, por que escrever no papel dá muito trabalho.

Acho que o ar retrô do gravador vai me permitir ir até o fim, e acho que fui feliz em falar nisso como um podcast e não como realmente um diário. Soa bonito, e se por algum acaso alguém pegar estás coisas, vai parecer menos assustador.

Podcasts tem nomes bonitos né? Hm... Lero-lero da Juju. Eca. Entre-estrelinhas. Quase um trava-línguas. Anos luz daqui. Bonitinho se pensar que quando eu escutar isso vou ser mais velha, ou não, posso morrer porque cai da cama amanhã, nunca se sabe, mas de qualquer forma, Anos-luz não é medida de tempo, e eu não sou filha de um professor de física pra fazer uma analogia tão errônea....

Furacões em Júpiter.

Meio merda, mas dá pro gasto. Então é isso aí ouvinte, que espero que seja a Júpiter do futuro, se for qualquer outra pessoa, isso vai ser muito vergonhoso, ou você vai ficar famoso as minhas custas por upar essa porcaria no YouTube. Não faça isso.

Preciso falar algo para acabar, mas não sei o que dizer. Então vai aí uma lista de dados para você se situar:

Meu nome é Júpiter Oliveira Dias, tenho 17 anos, estou a alguns dias de definitivamente entrar para o último ano do ensino médio, moro com meu pai e meu gato. Hoje é 05 de janeiro de 2024, apesar disso, ainda não aproveitei as praias como qualquer habitante desse país tropical, abençoado por Deus e quente por natureza.

Devo acabar agora? Parece incompleto?

Ah sei lá, que tal uma aleatoriedade final?
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Illinois, em 2014, nos Estados Unidos, mostrou que furacões com nomes femininos matam mais por serem levados menos a sério e consequentemente haver menos preparação para enfrentá-los. E não é mentira não. Tenho certeza que você também se perguntou se o ser humano é realmente tão burro. A quem diga que nós somos os evoluídos...

Acho que tá okay... Fim do Furacões em Júpiter episódio 01. Até a próxima ou nunca mais.

Furacões Em JúpiterOnde histórias criam vida. Descubra agora