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Com 17 anos descobri que cocos matam mais que tubarões, e um tipo específico de camarão enxerga mais cores que um ser humano.

Eu e meu pai sempre curtimos o verão da mesma forma: Pegamos a estrada sábado de madrugada e vamos aproveitar as praias do município de Tamandaré, são quase duas horas de viagem recheadas de MPB de rádio, e várias vezes conseguimos ver o sol nascer como se estivesse surgindo por trás do mar. Passamos o dia inteiro na praia, tomamos café da manhã, almoçamos e jantamos lá, chegamos sempre antes dos quiosques abrirem, mas saímos antes de fecharem para voltar a estrada. Fazemos isso no máximo 3 vezes no mês de janeiro, no resto das férias, a solução é ir à piscina do prédio ou convidar as meninas pra jogar vôlei e tomar raspadinha na praia de Boa Viagem.

Sabe, eu sou extremamente alérgica a camarão, descobri isso da pior forma possível num almoço de dia dos pais, e meu pai é alérgico a coco. É engraçado porque camarão é a comida favorita dele, e pra mim, não existe coisa melhor do que água de coco gelada. Criamos meio que uma tradição, se papai pede seu prato favorito, eu peço minha bebida favorita. E não dá pra não rir enquanto ele fica de um lado do guarda-sol petiscando seu pratinho de crustáceos laranja forte e eu do outro lado abraçando aquela enorme fruta verde com um canudinho colorido.

Nós sempre temos que falar curiosidades aleatórias sobre nossos alimentos de praia favoritos, e o primeiro que não resistir a pedi-lo, começa. Na última vez papai me contou sobre a existência dos Camarões Mantis, de acordo com ele, o bicho parece uma bolsa holográfica e tem super agilidade, super força e o tópico mais interessante, super visão. Eles enxergam 12 cores primárias, 9 a mais do que nós seres humanos. Não só isso como enxergam ultravioleta, infravermelho e diversos tipos diferentes de polarização de luz.

Passei o resto do dia tentando imaginar como deve ser ver o mundo através dos olhos deles. Deve dar dor de cabeça.

Eu acho que definitivamente nunca fiquei tão curiosa por um camarão, perguntei tantas coisas, muitas das quais meu pai não sabia responder, mas ninguém ficou muito tentado a pesquisar nos celulares guardados embaixo de toalhas e tubos de protetor solar.

Queria voltar no tempo naquele dia, o mês já está acabando e fevereiro tá pra aparecer surrando a porta com o monstro da rotina normal.

Por falar em tempo, descobri, semana passada, com ajuda de papai óbvio, que podia ter falado muito mais na fita anterior. E, que cada fita tem dois lados, ou seja, com 24 fitas eu podia gravar 48 vezes. Mas não é bem isso que vou fazer, cada lado da fita tem trinta minutos, então acho que vou continuar gravando duas vezes ao mês só que durante 1 hora. Vai dar certo, eu posso pausar pra beber água e pensar se tenho assunto suficiente pra tudo isso. Sou meio tagarela, acredito que tenho.

O problema que a fita 01 ficou com o lado B vazio... Talvez no final de tudo isso eu grave meu gato ronronando durante meia hora, uma boa ideia não?

Meu pai me mostrou direitinho como mexer em todos os mecanismos do gravador, eu acho que ele tem um apego emocional meio forte com isso, os olhos dele brilharam tocando nos botões naquele dia.

-Posso saber por que você está tão interessada nesse gravador?

-Eu... meio que me animei e tô gravando um diário.

Ele riu.

-Eu ganhei isso do meu pai quando era um pouco mais novo do que você, eu costumava gravar minhas "aventuras" e acontecimentos marcantes. - Ele pigarrou e começou a fingir estar gravando algo, mesmo sem fita. -Aqui é Marco, e hoje a minha filha Júpiter me fez sentir velho, eu acho que estou velho, câmbio desligo.

Eu ri bastante, mas protestei um pouquinho, 63 nem é tão velho assim.

-Eu gravava milhares de vezes numa fita só, sempre essas frases curtinhas, me animava falando em certos momentos, mas tinha medo de não ter fita o suficiente pra sempre.

Furacões Em JúpiterOnde histórias criam vida. Descubra agora