Com 8 anos descobri a relação entre comida e funerais nos Estados Unidos.
Sabe, não é todo mês que a sua avó morre. Eu... Acho que reclamei demais de março e ele veio cobrar, toda essa merda aconteceu um dia depois da fita passada.
Era uma sexta-feira à noite quando o telefone fixo tocou, e todo mundo sabe que, ninguém mais tem um desses em casa, o que normalmente significa que as ligações são apenas de operadoras de celular querendo que você pague mais em um plano de internet ou a minha avó.
Meu pai atendeu como sempre, estava segurando cometa nos braços e até sorridente. Quando colocou o gatinho no chão, eu percebi que algo de errado tinha acontecido.
-Era... Era sua tia no telefone Júpiter. Vovó Maria faleceu.
Ele falou e eu não sabia o que responder.
Consegui apenas andar até ele e o abraçar com força. Papai começou a chorar, e aí não consegui não o acompanhar. Eu sinceramente não sabia o que estava sentindo, ainda não sei.
Depois de minutos quase eternos de um choro dolorido no meio da sala, Marco se afastou e tentou secar o rosto.
-E-eu preciso ir ajudar a sua tia, tem algumas burocracias para resolver então... Melhor você ir dormir na casa dos seus primos, troque de roupa rápido e coloque um pijama em uma bolsa, okay?
-Okay...
Abracei ele de novo, beijei seu rosto rápido e fui arrumar minhas coisas. Eu acho que estava meio zumbificada naquela hora, minha cabeça só mandava meu corpo pegar as roupas, mas no fundo eu não estava pensando em nada.
A ida até a casa de Katia parecia durar séculos, meu pai estava falando no telefone enquanto dirigia, ele nunca tinha feito isso antes, estava ficando aflita.
Eu nunca parei pra pensar no que acontece quando uma pessoa morre, não estou falando espiritualmente, isso todo mundo pensa, mas tipo, nos documentos a assinar, preparar um funeral, avisar os conhecidos. É muita coisa... Acho que o luto em si, para as pessoas que precisam organizar tudo isso, só vem um pouquinho depois. Imagino que seja difícil raciocinar direito sobre perder alguém importante quando precisa parar até pra escolher as flores da cerimônia.
Meu pai me deixou na frente do prédio de 10 andares da minha tia, me deu um beijo na testa e se despediu.
Quando estava entrando na portaria, dei meia volta e bati de leve na janela do carro.
-Vou deixar meu celular ligado... Qualquer coisa liga pra mim, tá?
Falei e gesticulei pra segurar sua mão.
Ele deu um daqueles sorrisos tristonhos.
-Vai ficar tudo bem Jú.
Beijou minha mão e se despediu de novo.
O apartamento dos meus primos é enorme, típico de um prédio antigo, em que a única coisa que entrega sua velhice, além do tamanho, é o piso feito cheio de quadradinhos de cor meio areia, meio barro, ou sei lá.
Quando bati na porta, fui recebida com Raquel e seu rosto completamente inchado e olhos vermelhos. Ela me abraçou e logo Gabriel se juntou também. Eles estavam muito abalados, tipo muito mesmo. Pra ser bem sincera, um dos grandes motivos pra eu não saber o que sentir sobre tudo isso, é que eu e vovó não éramos próximas, mas também não éramos estranhas, então é esquisito. Diferente de mim que a via raramente, e só respondia suas ligações em datas religiosas, Raquel e Gabriel viviam de ficar com ela.
Trouxemos alguns colchões pra sala e ficamos ali juntos, passei horas acariciando os fios ruivos de Raquel, que dormiu depois de passar tempos se tremendo igual um pinscher resfriado. Não falamos sobre vovó Maria, na verdade, não falamos sobre muita coisa.
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Furacões Em Júpiter
Teen Fiction~NÃO abra essa caixa, e nem pense em escutar estas fitas se você NÃO é a Júpiter Oliveira Dias do futuro~ Tipo, de verdade, não tem nada interessante pra se ver aqui, nada além de uma garota que descobriu e anda descobrindo muitas coisas sobre a vid...