Daniel havia dirigido como um louco, eu mal havia me despedido de Joseph, mas só uma coisa era o foco. Meu irmão. Meu estômago estava embrulhado apesar de única informação que tínhamos ser uma mensagem de Pedro no celular de Daniel. "Matheus está no hospital. Corram.". Antoni enviou a localização em tempo real para meu amigo, e então chegamos onde o resto do grupo estava. Pulei do carro antes mesmo que Dani pudesse estacionar, e corri em disparada até a recepção do hospital. Um prédio imenso. Pedro andava de um lado para o outro na frente do balcão das enfermeiras, com os braços cruzados. Assim que me viu, ele correu em minha direção, e me envolveu em um abraço por conta das lágrimas. Assim que senti o conforto daquele corpo contra o meu, as pequenas lágrimas se tornaram uma enchente, e as perguntas começaram a sair de mim aos engasgos.
— O que aconteceu? Onde ele está?
Pedro segurou meu rosto com as duas mãos, e enxugou as lágrimas devagar. Não adiantou nada, porque novas rolavam mais uma vez.
— O médico disse que vai deixar ele se explicar.
Antoni me puxou assim que Pedro me soltou, e me envolveu com um dos braços para me conduzir até o quarto em que meu irmão estava. Uma fileira inteira de quartos depois, finalmente paramos na frente da porta. Nós quatro entramos depois que Toni abriu a porta. Foi um misto de alívio e medo quando avistei meu irmão, vestindo aquela camisola de hospital, sem sangue visivelmente exposto por seu corpo. Poderia não ser grave, certo? Poderia não ser... o fim do mundo.
— Sentem-se. Por favor.
Meu irmão pediu com a voz rouca. Uma voz cansada. Seus olhos estavam fixos no chão, não se arriscavam a olhar nenhum de nós nos olhos. Me arrastei até a cadeira mais próxima do leito e me sentei, vento que os outros faziam o mesmo. Menos Dani, que acabou por se sentar na ponta do leito do meu irmão.
— Alguns dias atrás, eu conheci uma garota. — Math pigarreou para controlar a voz. — Saímos algumas vezes, e... eu comecei a gostar dela. — Lágrimas se formaram no canto dos olhos claros dele, deixando as íris mais cintilantes. Ele se parecia com um anjo as vezes. — E ela parecia gostar de mim. Então um dia, ela me convenceu a não usar proteção. Disse que eu devia confiar nela.
Um nó se formou em minha garganta, engoli em seco para afastar os pensamentos que me rodeavam. Como não vi aquilo? Por que ele não me contou? Eu não era confiável? Era irmã dele afinal! Mas então... a culpa veio logo depois. Porque eu também não havia contado a ninguém sobre Joseph também. A confiança que tínhamos quando criança estava diminuindo? Ou era apenas os primeiros indícios da maturidade?
— Na quinta passada comecei a me sentir mal. Tive febre, dor de garganta e fadiga. Mas ignorei e fui pra festa no sábado, mesmo sem estar totalmente recuperado.
Todos nós nos entreolhamos, porque ninguém havia percebido os sintomas do meu irmão. De todos nós, ele era o que mais mentia bem, e em relação a resfriados e essas coisas, era o único que odiava ser cuidado. Matheus odiava ser dependente, e isso era irritante. Quando eu descobria, o obrigava a ficar de cama e a comer umas sopas nojentas e eficientes que via na internet. Tinham gosto de terra e algo pior, mas sempre o faziam melhorar. Talvez porque ele acabava vomitando toda a doença.
— No sábado especificamente, encontrei a garota de novo. Ficamos de novo. E quando contei pra ela o que estava sentindo... ela riu.
Meu corpo todo se enrijeceu de raiva. Ele confiou na garota, e ela riu? Ah, mas eu queria muito amassar a cara da desconhecida contra o asfalto. Talvez eu pense melhor em começar a dirigir, para usar o carro por uma boa causa. A boa causa? Atropelamento culposo.
— Eu não entendi. — Meu irmão continuou. — Na hora não, mas no fim da festa ela me disse para dar uma passadinha no hospital.
Daniel e Pedro começaram a franzir as sobrancelhas, ao passo que Antoni as erguia. Os três começavam a entender tudo. E eu? Continuava uma ameba viva, sem noção alguma do que acontecia ali.
— Domingo fiz exames. Comecei a ficar preocupado, então fiz em todo lugar, todo o tipo de exame. O médico disse que possivelmente se tratava de uma gripe comum, mas então... os resultados saíram.
Meu irmão apertava as mãos em cima do colo. Meu coração parecia estar em suas palmas, pois a cada aperto daqueles dedos, meu coração parecia ser esmagado junto. Deixei a cadeira de lado e me sentei na cama, agarrando suas mãos em desespero. Eu podia sentir a notícia ruim, mas ainda sim queria ter esperanças. Pela primeira vez naquela tarde, meu irmão ergueu os olhos para mim.
— A maioria dos exames não deu nada... exceto um.
Eu entendia agora. Estávamos próximos, nossas mãos unidas, nossos olhares também. Seu azul límpido se fundiu com o meu, e foi como se eu pudesse ler seus pensamentos. Foi assustador, porque eu soube o que viria a seguir. Uma lágrima solitária rolou pela minha bochecha esquerda.
— Eu tenho AIDS.
Minha boca se escancarou em um grito silencioso.
— Você só pode estar brincando. — Pedro começou a gargalhar. — Aí Matheus, isso já foi longe demais. Vamos pra casa tá? Daniel me disse que a Margarett tem um encontro, não vamos estragar isso certo?
Desde sempre, Matheus tem a mania feia de mentir sobre coisas pequenas. Já nos acostumamos, e levamos como brincadeira. Mas para manter a harmonia entre nós, todas as vezes em que desconfiamos que Matheus está mentindo sobre algo sério, os garotos me pedem para confirmar. Meu irmão nunca mente quando eu me meto no meio, a lealdade dele é maior que sua compulsão por mentiras. Mas como é algo para o último minuto, os meninos não gostam de me meter no meio. Nunca. Mas Daniel entendeu a gravidade da situação. Ele se levantou do leito, e apoiou a mão de leve no meu ombro.
— Margarett. É verdade?
Não era para eu ler a mente dele, apesar de sentir que podia. Era para eu dizer se acreditava ou não, porque todos ali seguiriam minha palavra. Eu queria não acreditar. Queria apagar aqueles momentos, aquela garota. Queria que o que eu vi entre Rita e meu irmão fosse verdade, porque assim ele poderia ser feliz com alguém que o merecia. Minha mente era fantasiosa demais as vezes.
— Vamos lá Met. Acabe logo com essa palhaçada. — Pedro começou a caminhar em direção à porta.
Eu quis chorar. Quis morrer, quis desaparecer dali. Minhas mãos viraram poças humanas, meu corpo iniciou uma tremedeira enorme. Abri a boca, mas nada saiu. Olhei para Toni, que aguardava minha resposta como se fosse a única coisa sólida a qual se agarrar.
— Quero ver o exame. — Eu disse.
Meu irmão pareceu entender. Então esticou o braço em direção à pequena mesinha ao lado de seu leito, e me entregou a folha de papel. Com os dedos trêmulos eu desdobrei a folha branca. Li tudo, sem entender a maioria dos símbolos ali, não pela falta de conhecimento, mas pelas lágrimas que se formavam na base dos meus olhos. Então cheguei na base da folha, e aquelas palavras... foi impossível de ignorar.
"Positivo"
— Eu acredito.
Eu disse com a voz rouca. E apesar de ser uma frase positiva, meu mundo se despedaçou. Bem ali, agarrei meu irmão nos braços, e a cada soluço senti mais uma parte do meu coração se estilhaçar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Garota em gotas
RomanceMargarett vive com seu irmão e seus três melhores amigos em uma casa perto da faculdade onde estudam. A garota, que tem o QI acima da média, ao mesmo tempo não tem experiência em outros assuntos, como os do coração. Ao mesmo tempo, assiste seu irmão...