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Entrei em meu quarto e tomei um banho quente rápido, enquanto Pedro me esperava sentado na cama. Sem sapatos, claro. E em cada segundo, meu ouvido zunia. Pelas palavras não ditas, pelos olhares confusos quando subi com Pedro. Me lembrei da forma como o olhar triste e desolado de Toni invadiu minha mente quando Joseph disse que havia quebrado alguém. Porque eu havia quebrado Antoni ao meio, no momento em que o afastei. Ele abriu seu coração, como eu havia feito com Pedro, mas tudo o que teve foi a indiferença da minha parte. Não sei por que era nisso que eu pensava quando sai do chuveiro, pronta pra conversar com meu amor de infância sobre nós. Pedro.

— O que queria dizer?

Tirei a sacola plástica da mão cheia de ataduras, e comecei a colocar meu pijama. Estava decidido, no dia seguinte eu faria as provas restantes, por isso precisava dormir um pouco mais cedo. Pedro me olhou quando eu terminei de me trocar e me joguei no colchão largo.

— Eu pensei sobre o que você disse.

Pedro retorceu os dedos acima do colo, e eu só conseguia pensar neles enterrados em meu cabelo. Seria pedir demais? Eu não conseguia erguer os olhos, não conseguia encarar ele.

— E sim, isso pode ser muito bom. Mas também pode criar uma rachadura enorme entre nós. Não só nós dois, todos os cinco.

Os cinco. Era lindo quando Pedro falava "os cinco" como nossos pais costumavam falar. A mãe de Dani era a que mais usava a frase.

— Mas...

Aquele "mas". Aquela pequena palavra completa apenas com três letras, mas carregada de dúvida e possibilidades, de chances. Quando havia um mas, havia um possível sim. Entrelacei os dedos, ansiosa para o fim daquilo.

— Eu quero tentar. Se for por você... acho que vale a pena.

Aquilo foi estranho. Ignorei a forma como a palavra "acho" me desanimou, e finalmente ergui meus olhos para os de Pedro. Era impressão minha ou eles estavam menos... intensos? Ignorei isso também. Me afastei da parede para me aproximar dele, que se aproximou também. Em poucos segundos estávamos a centímetros um do outro, prontos para aquilo. O beijo. Os longos dedos de Pedro fizeram caminho dos meus lábios até minha bochecha, e então pelo meu pescoço até a nuca. Eu me arrepiei. E esperei.

— Posso?

Sua voz sussurrada contra minha pele me arrepiou. Não me fez queimar, me arrepiou. Esperei dezoito anos para aquele momento, quando o homem que eu havia amado por toda a vida finalmente reparou em mim. Ele finalmente me tocou, não como uma irmãzinha ou algo assim, mas como mulher.

— Sim.

Meu sussurro saiu rouco e leve, como se a emoção e a ansiedade me tirassem a voz. Eu esperei. Havia esperado por dezoito anos, que mal fariam dois segundos?

Acho que eu tinha seis ou sete anos, mas as memórias eram vividas em minha mente. Os garotos tinham quase dez anos, e estavam animados porque ganhariam uma festa no melhor salão da cidade. Eles haviam convidado todos os colegas de classe, e ajudado a escolher as cores dos brinquedos e os doces das lembrancinhas. E por causa dessa imensa empolgação, ninguém reparou quando eu sumi. Me enfiei em um canto e chorei, porque a atenção estava toda desviada para os garotos. Estávamos na casa de Dani, que era imensa e térrea, cheia de corredores e curvas desnecessárias.

No começo, eu caminhei por lá para me esconder. Me agachei em um canto e deixei as lágrimas quentes do drama banharem meu rosto. Eu só queria fazer parte daquele grupo, e a forma como eles me ignoraram foi tão dolorosa, que eu simplesmente fugi. Mas quando resolvi voltar, não consegui encontrar o caminho. Então fiquei enrolada em posição fetal no chão, chorando de carência e de medo. A confusão ainda se espalhava em mim quando ele chegou, me estendeu a mão e me tirou do chão. Alguns minutos de conversa depois, a carência e o medo haviam ido embora. Só aqueles olhos cinzentos permaneceram na minha memória.

Acho que tive mais momentos assim. Momentos em que eu teria me apaixonado por um dos meus amigos, porque sou idiota ao ponto de me render por uma atitude boa. Teve uma vez em que Daniel simplesmente organizou um banquete inteiro sozinho para o meu aniversário, porque meus pais haviam se esquecido da data. Me lembro de olhar fundo naqueles olhos límpidos como o céu, desejando que ele nunca jamais se fosse. E agora era eu quem estava indo embora.

Houve um dia em que tive febre alta, e Matheus havia ido viajar com o time de futebol. Eu estava no último ano, e os garotos haviam se formado, então não vivíamos mais tão grudados quanto antes. Me lembro que foi difícil deixar de lado o receio, mas acabei ligando para Antoni. Meu amigo veio de bom grado, e cuidou de mim até que eu estivesse tagarelando no meio dos filmes que assistíamos.

Um tempo antes, na época em que eu estava tentando aprender a andar de skate, levei um belo tombo na rua que ficava em frente à portaria do nosso condomínio, e acabei quebrando o braço. Foi Pedro quem me viu da sua janela, e me levou para o hospital nos braços mesmo que ele ficasse a alguns minutos de distância.

Mas todas as vezes em que eu me lembrava de um ato bom, minha mente voltava aos olhos cinzentos do corredor. Todas as vezes em que eu me lembrava, tinha a impressão de que era por isso que eu me sentia sozinha. Porque aqueles olhos me faziam sentir segura, acolhida, abraçada.

Pedro enterrou sua mão em meu cabelo, e me puxou para mais perto, de modo que nossos narizes se encostassem. Meu corpo congelou, era medo e ansiedade, e muitas outras coisas. Quis derreter, senti que podia, bem ali, com ele na minha cama. Minha mão viajou até seu peitoral firme, a outra se fechou no tecido de sua camiseta. Ele gentilmente se aproximou, apenas um centímetro, e...

Nos beijamos.

E foi só isso, um encontro de lábios e língua, não uma explosão de fogos de artifício. Foi um emaranhado de confusão em meu cérebro, não uma certeza de que éramos feitos um pro outro e de que merecíamos ficar juntos. Por que eu parecia ainda mais confusa agora? Quando ele me soltou, eu não estava ofegante, não estava ardente. Dei uma desculpa esfarrapada para descermos para jantar, tentando sair daquele desconforto estranho. Não era pra eu ter amado?

Me sentei na mesa da cozinha com meus amigos, mas nenhum deles se incomodou em questionar porquê eu havia demorado ou o que estava fazendo com Pedro em meu quarto. Enfiei a sopa de Dani goela abaixo, tentando me convencer de que era esse o motivo de eu estar ali naquele momento, a sopa deliciosa pela qual meu estômago roncava.

E não aqueles olhos cinzentos.

Garota em gotasOnde histórias criam vida. Descubra agora